terça-feira, 7 de agosto de 2012

As Três Vontades de Deus Leslie D. Weatherhead





Traduzido por: Oswaldo Ramos






 










Digitalização e Revisão:
Dimasp

04/06/2007

Com exclusividade para:










EDITORA MUNDO CRISTÃO
São Paulo, SP
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Weatherhead. Leslie D.
As três vontades de Deus: Como e quando Deus usa sua vontade intencional, circunstancial e final. / Leslie D. Watherhead; traduzido por OswaldoRamos. -SàoPaulo: MundoCristão. 1997.


ISBN 85-7325-129-8


1. Deus-Vontade    I. Título.


97-4892                                                           CDD-231.4





Índices para catálogo sistemático:

1. Deus; Vontade: Doutrina cristã    231.4
2. Vontade de Deus: Doutrina cristã    231.4





Título do original em inglês:
TheWillofGod
Copyright© 1972 por Leslie D. Weatherhead,
Publicado por Abingdon Press
NashvilIe,Tennessee, E.U.A.



Tradução: Oswaldo Ramos
Capa: Pedro Simão
Supervisão editorial e de produção: Jefferson Magno Costa
1ª edição brasileira, dezembro de 1997
impressão: Imprensa da Fé, São Paulo, S.P.



Publicado no Brasil com a devida autorização
e com todos os direitos reservados pela
ASSOCIAÇÃO REUGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃO
Caixa Postal 21.257, CEP 04602-970 São Paulo, SP, Brasil





Sumário






A Vontade de Deus... ou a do Homem?......    05

Prefácio.....................................................    06

1.  A Vontade Intencional de Deus..............   07

2.  A Vontade Circunstancial de Deus..........  14

3.  A Vontade Ultima de Deus......................  22

4.  Como Discernir a Vontade de Deus........   27

5.  "Em Sua Vontade Está a Nossa Paz"......   31


























A Vontade de Deus...
Ou a do homem?

Entender quais são as três vontades genuínas de Deus é descobrir a paz, perder o medo e fugir da confusão.
Usar a expressão "a vontade de Deus" indistinta­mente, é convidar o desastre emocional e intelec­tual para se instalar no mundo e em nossas vidas.
Em meio a tudo o que acontece conosco, quando é que se trata realmente de uma das três vontades de Deus, e o que devemos fazer para distinguir essas três vontades ?
Saber essa diferença é o princípio da sabedoria, da realização espiritual e do equilíbrio social.
Escrevi este livro para ajudar você a distinguir as três vontades de Deus. Isto pode mudar sua vida.






































Prefácio


Aqui foram reunidas cinco mensagens sobre as três vontades de Deus, que preguei enquanto as bombas dos aviões de Hitler destruíam Londres. Meus amigos Edgar C. Barton e Leslie F. Church, ambos também pastores, disseram-me que a publi­cação dessas pregações poderia ajudar a esclarecer a um maior número de pessoas sobre um assunto de especial importância, nestes dias de tantas per­das e tristezas. Apresento-as no estilo direto em que foram proferidas. Não tentei disfarçar o fato de que foram preparadas como sermões.
— L.D.W.



































1
A Vontade
Intencional de Deus

Usa-se a expressão "a vontade de Deus" de modo tão impreciso, sendo as consequências dessa imprecisão sobre a nossa paz de espírito tão sérias, que gostaria de passar algum tempo refletin-do com você a respeito do assunto. Nada mais há que mereça tanta clareza de reflexão; no entanto, parece-me às vezes, que poucos assuntos geram tanta confusão.
Permita-me dar-lhe um exemplo. Tenho um amigo cuja esposa querida morreu recentemente. Após sua morte, eis o que ele disse: "Bem, eu preci­so aceitar a morte da minha esposa. Foi a vontade de Deus". No entanto, sendo médico, ele lutou se­manas para salvar a vida da esposa. Havia con­tactado os mais competentes especialistas de Lon­dres. Usara todos os recursos da ciência moderna, toda a engenhosa aparelhagem mediante a qual as energias da natureza podem ser usadas no comba­te à doença. Mas será que durante todo o tempo ele estava lutando contra a vontade de Deus? E na hi­pótese de a esposa se haver recuperado, não seria tal fato, para ele, a vontade de Deus? É certo, pois, que não podemos dar o mesmo nome a duas coisas completamente diversas. A recuperação da mulher ou, no caso contrário, a sua morte não podem de igual modo ser a vontade de Deus, aquilo que ele havia intentado.
Desejo dar-lhe outro exemplo dessa confusão. "Meu filho morreu há dez dias num dos ataques aéreos a Londres" disse uma mulher,"mas estou tentando me curvar perante a incompreensível vontade de Deus." Porém, teria sido aquela morte vontade de Deus? Eu diria que foi a vontade do ini­migo, de Hitler, se preferir, das forças malignas com as quais militamos. Então, é tudo a mesma coi­sa?
Temos aí uma mãe que torce as mãos e chora de angústia pela morte de seu menino. O pastor está ao seu lado, e anseia confortá-la; embora sua pre­sença e suas orações possam representar algum consolo, ele sabe muito bem que, quando ruge a tempestade, é tarde demais para falar sobre a ânco­ra que deveria ter sido atirada antes de ela sobrevir.
Quero mostrar com isso a tremenda importância de tentarmos pensar com clareza antes que a des­ventura nos assole. Se agirmos assim, a despeito de toda a nossa tristeza, contaremos então com uma fi­losofia de vida que nos ampara e tranquiliza, assim como a âncora estabiliza o navio. Caso contrário, diante do furor da tempestade, muito pouco pode­remos fazer até que ela seja amainada. Ah! se o pas­tor pudesse ao menos injetar na mente daquela mulher as convicções que ele mesmo nutria a res­peito de Deus! Mas, isso infelizmente é impossível. Em sua angústia, foi isto que a mulher disse: "Acho que foi a vontade de Deus, mas, se o médico tivesse chegado a tempo, teria salvado o meu filho". Vê-se, pois, a confusão de pensamento. Se o médico houvesse chegado a tempo, teria sido capaz de mudar ou neutralizar a vontade de Deus?
Essa questão me atingiu de forma mais forte quando estava na índia. Eu estava em pé, na varan­da de uma casa, sobre a qual descera a sombra do luto. Meu amigo indiano havia perdido o filhinho — a luz de seus olhos — por causa de uma epide­mia de cólera. Na outra extremidade da varanda estava a filhinha dele, a única criança sobrevivente, que dormia numa cama tosca, recoberta por um véu que a protegia contra os mosquitos. Andáva­mos de um lado para o outro. Tentei, bastante sem jeito, confortar e consolar meu amigo. Disse-me ele, contudo: "Bem, pastor, essa é a vontade de Deus. É isso. Nada mais: a vontade de Deus".
Felizmente eu o conhecia bem o bastante para replicar sem que me entendesse mal. Disse-lhe mais ou menos o seguinte:
— Vamos supor que alguém subisse os degraus desta escada até esta varanda e, enquanto todos dormissem, deliberadamente pusesse na boca de sua filhinha, que está dormindo ali, um chumaço de algodão embebido numa cultura de germes da cólera. Que você diria disso?
— Meu Deus — exclamou ele — o que eu diria? Ninguém faria uma crueldade dessas. Mas se ten­tasse fazê-lo, e eu apanhasse essa pessoa, eu a mata­ria sem compaixão alguma, como se estivesse ma­tando uma serpente, e a atiraria varanda abaixo. Mas o que você pretende trazendo um exemplo desses?
— Muito bem, John — disse-lhe com tranquili­dade — você acabou de acusar Deus de fazer essa crueldade, ao afirmar que essa era a vontade dele. Diga que a morte de seu filho é resultado da igno­rância em grande escala, diga que morreu por cau­sa da insensatez, do pecado, diga o que quiser, que foi pela precariedade do saneamento básico ou pelo descuido comunitário, mas não diga que foi a von­tade de Deus.
Sem dúvida não podemos identificar como von­tade de Deus algo que levaria um homem para a penitenciária ou um louco para o hospício.
Os que quiserem uma base bíblica para este ser­mão, a encontrarão no capítulo 18 do evangelho de Mateus, no versículo 14: "Assim, pois, não é da vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos".
Vemos, mediante esses exemplos, que poderiam ser citados com outros infortúnios diferentes da morte, como nosso pensamento é confuso e desco­nexo no que diz respeito à vontade de Deus. Mas deixe-me dizer agora algo que possa aliviar a ten­são da sua mente; quero antecipar algo do que pre­tendo tratar nas próximas mensagens desta série.
O raciocínio a que cheguei requer que o assunto seja dividido em três partes. Estamos tratando ago­ra da primeira delas. A vontade de Deus, na verda­de, pode ser dividida em três aspectos:

1.  A vontade intencional,
2.  A vontade circunstancial,
3.  A vontade última.

O problema aparece quando usamos a expressão"a vontade de Deus"em referência aos três aspectos da sua vontade, sem fazer distinção entre eles. Porém, quando examinamos a cruz de Cristo, tal distinção, no meu entender, se torna in­dispensável.

1. Terá sido a intenção de Deus, desde o início, que Cristo fosse para a cruz? Creio que a resposta a essa pergunta deve ser NÃO. Não me parece que Jesus tivesse isso em mente no começo de seu ministério. Ele veio com a intenção de que o seguissem, não de que o matassem. A vontade intencional de Deus ou, se preferir, seu propósi­to ideal, era que Cristo fizesse discípulos, não que morresse. Que bom seria se "a vontade de Deus" fosse a expressão usada somente em refe­rência à vontade intencional de Deus!

2.  Todavia, quando as circunstâncias geradas pela maldade humana criaram o dilema, segundo o qual Cristo deveria morrer ou fugir, então, dadas as circunstâncias, a cruz tornou-se a vontade de Deus; entretanto, só naquelas circunstâncias, por si mesmas, e por elas serem fruto do mal. Naquele caso, qualquer outra ação seria sem valor e impraticável; foi por isso que o Senhor disse: "Não seja como eu quero, e, sim, como tu queres". Nas más circunstâncias criadas pela guerra, o fato de o pai dizer ao filho "estou con­tente porque você entrou para o exército, João" não significa que o pai desde o começo tenha al­mejado que seu filho seguisse uma carreira mili­tar. Talvez preferisse que o filho, digamos, fosse um arquiteto. O pai deseja que o filho vá para o exército, só por causadas circunstâncias impostas pelo mal. Para esse pai, e para o filho igualmente, essa decisão pareceu a mais honrada, inevitável. Isto ilustra o segundo aspecto da vontade de Deus: o circunstancial.

3.   E finalmente, usamos a expressão "a vontade de Deus" num terceiro sentido: quando nos referi­mos à vontade última de Deus, sua intencionalidade a despeito do mal ou, como veremos, mesmo através dele. Essa intenção se cumpre sem que se perca nada de seu valor, obtendo os mesmos resultados a que se chegaria se a vonta­de intencional de Deus houvesse sido obedeci­da, sem frustração, desde o início. Espero que cheguemos a ver nos demais capítulos deste li­vro que Deus não pode jamais ser derrotado de modo definitivo, sendo isso a que chamo de onipotência. Nem tudo o que acontece é da von­tade de Deus, mas nada do que acontece pode definitivamente derrotar a sua vontade. Assim, no que concerne à cruz, Deus atingiu seu objetivo irreversível não simplesmente a despeito da cruz, mas por meio dela. Deus operou grande redenção e concretizou sua vontade última em sentido pleno, como o teria feito se sua vontade intencional não houvesse sido temporariamente paralisada.
Sei que as pessoas têm a mente exausta, por causa do cansaço e pelo estresse ocasionados pelo peso dos problemas da vida. Mas desejo pedir a todos que, no futuro, na hipótese de tristezas ou desven­turas, procurem ter em mente que a vontade divina para com a nossa vida manifesta-se de três manei­ras, as quais poderão depois ser harmonizadas: a vontade intencional de Deus, a vontade circunstan­cial de Deus e a vontade última de Deus.
Concentremo-nos, portanto, na primeira, pen­sando na vontade de Deus sob o aspecto de sua in­tenção ideal. Para tanto, uma das primeiras coisas que devemos fazer é dissociar da expressão "a von­tade de Deus" tudo quanto seja perverso e desagra­dável, que traga infelicidade. Esses aspectos serão tratados sob o título "A vontade circunstancial de Deus".
A vontade intencional de Deus representa o modo de Deus derrarmar-se em bondade, como ocorre com o pai amoroso em relação aos filhos.
Veja como nosso pensamento está confuso a esse respeito em razão de certos hinos teologica­mente errados. Eis a estrofe de um deles:
Se é escuro o caminho, triste o viver, Dá que eu os sofra sem murmurar, E sempre a divina oração a dizer: "Venha tua vontade se realizar".
Que tipo de Deus é esse que, por sua intenção, não por causa das circunstâncias atiradas à nossa vida pela ignorância, pela loucura ou pelo pecado, der­rama aflição imerecida e infelicidade, decepção e frustrações, tristezas e doenças sobre seus amados filhos, de quem exige que, em meio às lágrimas, er­gam a fronte e clamem: "Seja feita a tua vontade!"? Precisamos acabar com a ideia de que tudo o que acontece se deve à vontade de Deus, como se essa fosse a sua intenção. Tais acontecimentos estão dentro da vontade de Deus, se você precisa usar a expressão, nas circunstâncias sobre as quais já demos algum indício. Mas precisamos entender o fato de que a vontade intencional de Deus pode ser temporariamente paralisada pela vontade do homem. Não fosse verdade, o ser humano não te­ria liberdade alguma. Todo o mal que obtém su­cesso temporário bloqueia a vontade de Deus tem­porariamente.
Voltemos aos exemplos anteriores. Eu poderia dizer ao meu querido amigo: "A morte de sua espo­sa não era da vontade de Deus, de modo algum. Foi apenas o fruto da ignorância humana. Se pudésse­mos gastar tanto dinheiro em pesquisas médicas quanto gastamos na construção de um navio de guerra, a vida de sua esposa poderia ter sido pou­pada". Embora não fosse momento oportuno para dizer-lhe isso, não era possível deixar de pensar dessa forma.
Quando um jovem missionário manifesta sua presteza e resolução diante de todas as provas, de­pois de todos os exames exigidos, para entregar a vida em prol de levar as boas novas de Cristo a um povo que nunca as ouviu antes, podemos dizer ver­dadeiramente: "Seja feita a tua vontade". Mas não podemos dizer o mesmo quando um piloto des­penca, o avião em chamas, para encontrar a morte precoce. Porém, quando finda a guerra e os jovens de todas as nações podem apertar as mãos e iniciar
juntos a reconstrução do mundo — essa é a hora d dizer: "Seja feita a tua vontade".
Não quando um bebé morre, mas sim quando dois jovens levam o filhinho perante o púlpito da igreja, a fim de consagrá-lo a Deus, porque desejam que Deus reine em seu lar pequenino, mas amorável, e na pequenina vida que lhes foi conce­dida, o filho. Esse é o momento de dizer: "Seja feita a tua vontade".
Não quando as crianças morrem de fome na Africa em razão das circunstâncias da guerra, ocasi­onadas pela maldade do mundo todo. Mas quando os países oprimidos forem finalmente libertados dol jugo impiedoso de seus opressores e todas as crianJ cinhas ali tiverem o suficiente para comer, podendo! cantar e brincar felizes, ao sol, amigo do corpo e dal alma — é chegado o momento de dizer: "Seja feita ai tua vontade".
Venha comigo a uma favela, na área esquecida! de alguma cidade grande, em que a vida e o serviço! das pessoas são meros meios para que outros al-1 cancem seus objetivos, onde encontraremos doen-l ças do corpo e corrupção da alma, onde o mal se in-l flama e se propaga em condições sórdidas, terrí-l veis, onde as pessoas nem sequer têm motivação para protestar, mas aceitam sua forma de vida com apatia mais horrenda que uma revolução. Se diante disso, alguém diz: "É a vontade de Deus", respon­do que se trata de grande blasfémia, pior do que ne­gar a Santa Trindade.
A opressão económica, a usura, a negação das dádivas de Deus a seus próprios filhos por causa da nbição de uma minoria, os horrores da guerra — isso retrata um ateísmo pior do que aquele que se rofessa. Voltamo-nos para pouco mais de cem nos atrás e maravilhamo-nos de que os cristãos entoassem hinos a Deus, enquanto a escravidão dominava. Queira Deus, todavia, que daqui a cem anos nossos descendentes se voltem para nós sem entender como nos intitulamos cristãos com o cor­po de Cristo despedaçado nas igrejas, pisoteado em nossas cidades, explorado na indústria e no comér­cio, abandonado às doenças, embora o conheci­mento médico e os recursos terapêuticos estives­sem ao alcance da família humana. Chame a tudo isso perversidade, chame-o mal inevitável, por cau­sa do pecado que se propagou, mas não diga que se trata da vontade de Deus.
Percebe, então, a importância que há em cor­rigirmos nossa forma de pensar a respeito da von­tade de Deus? É que, por causa de nossa própria confusão, jogamos as pessoas num tormento inacreditável; embotamos o fio do propósito huma­no até que as pessoas murmurem o refrão: "Seja feita a vontade de Deus". Mas o oposto da vontade de Deus é que está sendo feito.
Se os homens pudessem ver com maior clareza ps propósitos de Deus e corrigissem seus pensa­mentos desconexos, passariam a ser os instrumen->s úteis de Deus para a consecução de seu propósito, eliminando o mal que arrogantemente conside­raram "vontade de Deus". As pessoas estão usan­do a expressão "a vontade de Deus" como se fosse uma fórmula de feitiçaria, selando toda a questão com um tabu de silêncio, fugindo assim do desafio das perguntas perturbadoras que o pensamento sincero faria ressoar em suas mentes com a insis­tência de soar de trovão.
Há, todavia, duas dificuldades:

1. A primeira pode ser expressa como segue: Você poderia afirmar: "Sim, está certo, mas não devemos esquecer que as pessoas se consolam ao i-maginar que suas tragédias são da vontade de Deus. O sofredor suporta melhor suas dores ao su-3or que são da vontade de Deus. É difícil suportá-as, se forem resultado de erro humano grosseiro, e ião da vontade de Deus. Esse modo de ver as coi­sas tira o consolo das pessoas. Mas quando elas icham que determinada coisa é da vontade de Deus, conseguem suportá-la com serenidade de es­pírito".
Mas, apesar dessa contra-argumentação, eu :ontinuo firme nos meus argumentos. Como se ;abe, existe uma época em que as coisas podem ;er ditas e outra época em que não podem ser di­as, ainda que sejam verdadeiras. Se passamos por ima grande tragédia, muito pouco podemos di-^er acerca da vontade de Deus. Mas de uma coisa \ão podemos nos esquecer: Jamais pode existir :onsolo na mentira.
Apesar do quão intimamente tenhamos acalen­tado uma mentira, no momento que a perceber­mos como tal, devemos ter a sabedoria de nos afas­tar dela. Os que se refugiam numa mentira asseme-lham-se aos que se refugiam sob um abrigo fra­quíssimo, feito de ripas pintadas de modo que pa­reçam pedras. Quando as pessoas mais precisa­rem desse abrigo, ele ruirá, expondo-as à tempes­tade.
Quem se proteger numa falsa ideia a respeito de Deus, na hora da necessidade ficará tão sem auxílio quanto o ateu. Se por recusar-se em ponderar bem as coisas, a pessoa se vir num abrigo imprestável, incapaz de dar-lhe proteção à alma, essa mesma re­cusa torna-se pecado, pois Cristo ordenou-nos que o amemos de todo o coração. E ele é o nosso único abrigo. Sei quão penoso é encarar a verdade, e as pessoas odeiam ser obrigadas a pensar, mas só pela verdade é que seremos libertos.

2. Em segundo lugar, há outra objeção, de que trataremos agora. Alguém poderá dizer: "É bom guardarmos a expressão 'a vontade de Deus' para as coisas amáveis, alegres, sadias e benéficas que acontecem às pessoas; porém, algumas das melho­res qualidades, as pessoas adquirem mediante o sofrimento. Portanto, não seria também o sofri­mento a vontade de Deus? O sofrimento muitas vezes dá coragem às pessoas. A guerra faz heróis".
Veremos essa objeção de modo mais minucioso ao tratarmos da vontade circunstancial de Deus.
Basta-nos por ora dar uma breve resposta a essa objeção.
Existe um nó vicioso na lógica da observação de quem usa esse argumento, visto que a pessoa estará errada ao argumentar que, para criar a coragem, a guerra é da vontade de Deus. Não foi a guerra que deu a coragem. A guerra apenas pôs a descoberto a coragem que sempre existiu. Deu-lhe a oportunida­de tremenda de se manifestar. Jamais o mal gera o bem, embora as circunstâncias do mal muitas vezes ocasionam a manifestação do bem.
Observe não apenas a falta de lógica, mas tam­bém as implicações infundadas no que concerne à teologia. Se afirmarmos que o sofrimento causado pelo mal é essencial por causa das qualidades que produz, pela lógica somos obrigados a supor que Deus precisa do mal para produzir o bem. Isto nos leva à conclusões mais sérias: Deus só poderia ge­rar a coragem fazendo uso de uma guerra perversa; ou quando Jesus curava as pessoas, estava desafi­ando a vontade de Deus, em vez de cumpri-la, pois estava eliminando algo essencial ao crescimento da alma.
Se isso for verdade, que acontecerá nos céus dos céus depois que todas as almas tiverem sido reco­lhidas no último dia? Será que todas as qualidades manifestadas pelo mal ficarão atrofiadas porque o mal não estará mais presente para produzi-las? Re­pito que o mal não gera as boas qualidades. Ele as faz aflorar e lhes dá exercício, mas sempre existe a possibilidade — e essa é a intenção de Deus, com toda certeza — de essas mesmas qualidades surgi­rem e ser exercidas em decorrência da bondade.
Permita-me trazer-lhe à memória, a esse respei­to, as palavras de Jesus: "Jerusalém, Jerusalém! que matas os profetas e apedrejas os que te foram envi­ados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e tu não o quiseste! Eis que a tua casa te ficará deserta" (Mt 23:37,38). Observe as palavras: "Tu não o quiseste". Subentendem um "...mas po­derias". Veja também estas outras palavras de Je­sus: "Eis que a tua casa te ficará deserta. E em ver­dade te digo que não mais me verás até que venhas a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor". Observe também esta expressão bíblica: "Ah! Se co­nheceras...". Mostra que tinham a possibilidade de co­nhecer. As excelentes qualidades da alma humana não são concebidas pelo mal. Deus é quem as gera, e às vezes elas se revelam na reação correta do ho­mem bom diante do mal, sem, contudo, depender do mal para ser produzidas, pois podem ser ocasio­nadas mediante uma reação positiva ao bem.
Sejamos, portanto, extremamente cuidadosos no uso da expressão "a vontade de Deus". Gostaria de encerrar este capítulo falando sobre a morte de um grande líder religioso, o pastor F. Luke Wiseman. Num dia cinzento e nebuloso, esse servo de Deus, nos seus 86 anos, pregou duas vezes — uma delas no próprio púlpito de Wesley, em City
Road. Depois, foi para casa. A esposa morrera há muitos anos. Os filhos eram todos adultos. Pode­mos imaginá-lo sentado em sua poltrona, junto à la­reira. Caiu no sono e acordou nos céus. A respeito desse acontecimento você pode usar a expressão "Seja feita a tua vontade". E alguns de nós acres­centariam outro texto bíblico: "e que eu termine meus dias assim".
Neste, iremos examinar também como a calami­dade e a tristeza se enquadram em nossa estrutura de pensamento acerca da vontade de Deus. Por en­quanto, guardemos a expressão para aquilo que Deus de fato intentou. E, quando você vir a glória de Deus refletir-se nesta terra maravilhosa, na na­tureza tão exuberante ao nosso redor, na poesia e na música, na pintura, na arquitetura de primeira qualidade e no serviço humilde, na vida de pessoas encantadoras, na felicidade de um lar, na saúde do corpo, na capacidade da mente e na consagração da alma, olhe para o Pai, que está nos céus, e diga: "Está sendo feita a tua vontade". E dediquemo-nos de tal modo que possamos nos tornar um, na glori­osa harmonia de todas as coisas, com todas as pes­soas que cumprem a vontade de Deus, para que ela possa realizar-se na terra, como os anjos a praticam no céu.















































2
A Vontade Circunstancial de Deus

Já dissemos que a expressão "a vontade de Deus"é proferida tão imprecisamente que fica­mos não só confusos, mas também com sentimen­tos atormentados.
Quando perdemos uma pessoas amada, dize­mos que foi "a vontade de Deus", embora as medi­das tomadas para impedir essa morte dificilmente seriam consideradas contrárias à vontade de Deus. Se as mesmas providências, no entanto, tivessem alcançado sucesso, teríamos dado graças a Deus, certos de que, na recuperação do doente, a vontade de Deus se havia concretizado. De modo semelhan­te, quando a tristeza, a doença e a calamidade reca­em sobre as pessoas, elas dizem, resignadas: "Seja feita a vontade de Deus". Dizem isto mesmo quan­do o ocorrido contraria essa vontade. Quando Jesus curou muitas pessoas na Palestina, alegrando-lhes a vida, estava cumprindo a vontade de Deus. Não a estava contrariando, tampouco anulando-a.
Para reforçar o que estou querendo provar neste livro, repetirei: a vontade de Deus manifesta-se de três maneiras:

1.  Vontade intencional — seu plano ideal.
2.  Vontade circunstancial — seu plano conforme as circunstâncias.
3.  Vontade última — a realização final de seus pro­pósitos.

Mais uma vez, examinemos o exemplo supremo da cruz.

1.  Sem dúvida não era a vontade intencional de Deus que Jesus fosse crucificado. Antes, que as pessoas o seguissem. Se o povo tivesse aceito a mensagem de Jesus, se tivesse se arrependido de seus pecados e entendido a dimensão do rei­no que ele veio anunciar, a história do mundo teria sido muito diferente. Os que afirmam que a crucificação foi da vontade de Deus precisam lembrar-se de que ela foi da vontade dos ho­mens perversos permitida pela vontade circuns­tancial de Deus.

2.  Todavia, quando Jesus encarou as circunstânci­as provocadas pelo mal e se viu lançado no dile­ma de ter de fugir ou ser crucificado, então, dadas aquelas circunstâncias, a cruz tornou-se a von­tade do Pai. Foi por isso que Jesus disse: "Não seja como eu quero, e, sim, como tu queres".

3. A vontade última de Deus significa, no caso da cruz, que o elevado propósito de redimir o ho­mem (ou, usando uma linguagem mais simples, de restituir o homem à sua unidade com Deus) — alvo que teria sido alcançado pelo plano in­tencional de Deus, se tal plano não tivesse sido frustrado — ainda será alcançado mediante a vontade circunstancial de Deus. Em suma, o mal não consegue deter a vontade de Deus definiti­vamente, nem fazer que algum "valor"se perca.

Vamos, então, concentrar-nos na segunda divisão e tratar daquilo a que chamo "vontade circunstancial de Deus". A questão poderá ficar mais clara ainda se eu relembrar o exemplo anterior; imaginemos um pai que planeja a carreira do filho com a colabo­ração do próprio jovem. Talvez fosse da vontade de ambos, digamos, que o rapaz se tornasse arquiteto. Mas explode a guerra. O pai está disposto a permi­tir que o filho se engaje nas forças armadas. Entre­tanto, a carreira na marinha, no exército ou na força aérea é apenas a vontade provisória ou circunstan­cial do pai para o filho, vontade gerada pelas cir­cunstâncias da guerra. Dizer que a intenção ideal do pai em relação ao filho era que o rapaz passasse anos valiosos da juventude nas forças armadas não corresponde à realidade.
Bem, há, de maneira semelhante, um propósito intencional da parte de Deus para a vida de cada pessoa. Entretanto, por causa da insensatez e do pecado humano; porque o livre-arbítrio do ser hu­mano propicia circunstâncias perniciosas que atravancam os planos de Deus; porque a nossa uni­dade com a grande família humana implica em o mal entre os demais membros da espécie humana poder criar circunstâncias que perturbam a inten­ção de Deus para conosco — por tudo isso, existe uma vontade dentro da vontade de Deus, isto é, a "vontade circunstancial" de Deus (como a chamo). Ao segui-la, a alma encontra paz, a mente encontra equilíbrio e a vontade pode manifestar-se de tal modo que, em última análise, o plano original de Deus é levado à execução plena.
No meu entender, há dois aspectos da vontade circunstancial de Deus — um no reino natural, e o outro no espiritual.

1. Examinemos de novo a cruz de Cristo. Devido as circunstâncias do mal, foi da vontade de Deus que Jesus fosse traído, preso, coroado de espi­nhos, crucificado e abandonado na cruz para morrer sob o sol escaldante. As leis do universo as quais, por si mesmas, revelam a vontade de Deus, não foram abolidas em benefício de Jesus, o Filho amado. As leis que governaram a martelação dos cravos nas mãos e nos pés do Senhor vigoraram no dia da crucificação, da mesma forma que vigoram ao fazermos um cai­xote de madeira.
Se algumas bombas forem atiradas de um avião sobre uma área habitacional densamente povoada, explodirão tanto sobre a casa de cren­tes como de ímpios. Se os cravos forem prega­dos com um martelo empunhado por um braço forte, perfurarão a carne até do próprio Filho de Deus. Como as leis do universo estão em vigor, e consistem na representação da vontade de Deus, você pode, se quiser, chamar tais leis de "a vontade de Deus", mas só no sentido restrito a que aludimos. As forças da natureza desempe­nham suas funções, não sendo revogadas quan­do empregadas pelas forças do mal.
Para os que perderam pessoas queridas em circunstâncias trágicas, não preciso dizer mais nada a esse respeito. Quando a carne de Cristo foi traspassada na cruz, as leis de Deus com res­peito à dor funcionaram da mesma forma que funcionam quando nos ferimos. E Cristo aceitou esse fato como parte da harmonia das leis do universo, efetuada pela vontade de um Deus sá­bio, santo e amoroso. Cristo não reclamou para Deus que era injusto as leis valerem contra ele na cruz, sendo ele quem era, o Filho de Deus. 2. Há, no entanto, um segundo elemento dessa vontade circunstancial de Deus. O primeiro po­demos dizer que é natural; o segundo, espiritu­al. Cristo não se submeteu simplesmente ao temível acontecimento da crucificação com a atitu­de a que chamamos, de modo equivocado, "re­signação". Ele dominou a situação. Devido as circunstâncias que o mal havia propiciado, pas­sou a ser também da vontade de Deus que Jesus não morresse como um animal encurralado. Antes, Deus desejou que ele reagisse ao mal de modo positivo e criativo, de maneira que conse­guisse extrair o bem do mal. É por isso que a cruz não é mero símbolo de pena de morte, como é o caso da forca, mas representa o triunfante do mal redirecionado para os propósitos santos de Deus. Noutras palavras, ao executar­mos a vontade circunstancial de Deus, abrimos o caminho para o triunfo último dele, sem que haja o mínimo prejuízo em nossos valores.
Tendo considerado o exemplo da cruz, vejamos agora essa mesma verdade num exemplo bem hu­mano. Tomemos o caso da mulher solteira, de meia-idade, cuja mente está quase fechada para a possibilidade do casamento. O que outrora era uma ardente expectativa torna-se agora uma espe­rança que se vai esvaindo até deixar de existir. Ora, não faz parte da vontade intencional de Deus que ela permaneça solteira. O Senhor não quer que essa mulher fique solteira. A intenção divina, certamen­te, é que toda mulher tenha um lar, marido e filhos. A própria estrutura do seu corpo, os centros criati­vos de seu cérebro, seus instintos sexuais e impulsos maternais são provas suficientes disso, pois es­tão presente em todas as mulheres.
Embora alguns instintos possam ser reprimidos no inconsciente ou canalizados para atividades não-biológicas, os instintos estão presentes em to­das as pessoas. Fazer com que todo ser humano sin­ta-se realizado biologicamente é a intenção de Deus.
Mas, e se a tirania das circunstâncias malignas — e são malignas quando privam a mulher da sua ra­zão de ser — puser a mulher num dilema? Ela não conseguirá satisfazer o aspecto biológico de sua na­tureza, imaginemos, se não sacrificar seus ideais — ela não pode praticar sexo sem pecar. Então, a von­tade circunstancial de Deus é que ela permaneça frustrada, e essa vontade pode ser examinada de dois ângulos. Um diz respeito ao aspecto natural, o outro, ao espiritual.
Primeiramente, há o aspecto físico da necessida­de sexual, visto que nenhuma suposta sublimação pode resolver essa dificuldade. A sublimação é sempre a segunda melhor alternativa, mas provisó­ria. Mas, em segundo lugar, ela não deve apenas re­signar-se, talvez com amargura, diante de sua con­dição de solteira, mas deve reagir de modo criativo e positivo à vontade circunstancial de Deus, a pon­to de conseguir transformar a vida em algo subli­me, algo que Deus possa usar para consumar sua vontade última, a saber, fazer dessa mulher uma personalidade completa e integrada, unida ao pró­prio Deus.
Observamos, então, que o segundo aspecto da vontade circunstancial de Deus não pode ser efetu­ado sem a cooperação humana. Sem ela, a cruz teria sido mais uma integrante da longa lista de senten­ças de morte executadas pelo estado bárbaro e sel­vagem. Teria sido um nobre sacrifício em prol de um ideal.
No caso da mulher a que acabamos de nos refe­rir, sem a colaboração humana, ela apenas se resig­naria ante as forças do universo e tornaria sua frus­tração impossível de suportar. Mas com uma pos­tura positiva e criativa diante da situação — a qual, note-se bem, foi gerada pelo mal, não por Deus —, a mulher deve encontrar nessa mesma situação a vontade circunstancial de Deus, de modo que sua frustração acabe por contribuir enormemente para a sua harmonia interior e para os objetivos perfeitos de Deus. É o que, aliás, muitas mulheres têm feito.
Porém, é muito mais fácil falar de sublimação do que pô-la em prática. Sobretudo os que não preci­sam exercê-la podem falar com mais facilidade a respeito de sua validade para os outros. Na verda­de, a sublimação não é considerada rigorosamente até que seja inconsciente — em outras palavras, até que as energias instintivas estejam percorrendo ca­nais não-biológicos, sem que a pessoa perceba essa mudança. Mas a sublimação pode ter início quando a pessoa volta suas atividades e interesses para alguma tarefa altruística que

a) seja de uso da comu­nidade,

b) seja gratificante ou satisfatória para o ego e
c) esteja em harmonia com os ideais da pessoa.

Só de acordo com essas três condições pode realizar-se a sublimação eficaz.
O exemplo mais comum de sublimação é o tra­balho realizado com os filhos pequenos de outras pessoas. No tratamento de doentes, no trabalho de enfermagem, no artesanato, na música, na produ­ção literária, na organização de esquemas, na chefia de clubes e na direção de lares alheios, as mulheres utilizam suas energias de modos úteis à comunida­de, satisfazendo-se a si próprias, em harmonia com seus ideais. Ao executarem esses trabalhos, ampli­am imensamente o reino de Deus.
Poderíamos abrir um parêntese e acrescentar que nada há de mais cruel, desumano ou estúpido do que desprezar uma mulher solteira de meia-ida­de. É ainda mais intolerável quando o desprezo se origina dos que se casaram por razões suspeitas. Todos os que trabalham entre as pessoas carentes relatam que sempre que se desenvolvem trabalhos altruístas aos necessitados, com sacrifício do con­forto pessoal, ali estão em ação mulheres solteiras de meia-idade, servindo à comunidade e fazendo que as circunstâncias malignas que frustraram a vontade intencional de Deus contribuam para a consecução de seu plano último.
Posso imaginar uma dessas mulheres dizendo: "Eu sei que a vontade de Deus era que eu realizasse a minha natureza feminina da mesma forma que outras mulheres felizes, que se casaram. É claro que eu gostaria muito de ter minha própria família, o meu lar. Mas não vou permitir que o universo me esmague, pois não existem circunstâncias permiti­das por Deus capazes de derrotar de modo definiti­vo o seu propósito último. Assim como Jesus reagiu às circunstâncias malignas transformando a coroa de espinhos em coroa de glória, e a cruz em trono, assim também posso controlar minhas circunstân­cias e extrair delas algo capaz de trazer harmonia à minha própria natureza, que traga felicidade e bem-estar ao mundo e que ajude a expandir o reino de Deus".
Como vê, ninguém poderá dizer para Deus: "Bem, é claro que eu queria fazer isso ou aquilo, mas fui vítima da doença, da tristeza, da frustração, da guerra ou das perdas irreparáveis. Diante disso, o que me restava fazer?". Nenhuma circunstância será tão horrenda como a que Cristo teve de enfren­tar. Não é possível surgir uma situação que traga em si o poder de derrotar-nos ou de derrotar a Deus — jamais, nem mesmo a morte. Embora ocorram milhares de mortes contrárias à vontade intencio­nal de Deus, o Senhor não pode ser derrotado por nenhuma combinação de circunstâncias malignas. Talvez a própria morte e, conseqüentemente, o fato de o servirmos no céu e não na terra não façam a mínima diferença para a vontade última de Deus, assim como não faz diferença se o servimos em São Paulo ou em Nova Iorque.
Uma coisa só é incrível: Deus permite circunstân­cias capazes de derrotar seus planos últimos de for­ma inevitável. Se ele o permitisse, significaria ter abdicado do trono do universo. Mas a verdade é esta: embora a revolta contra Deus pareça insupe­rável, "o Senhor Deus onipotente reina". Como afirmou o escritor de Hebreus: "Agora, porém, ain­da não vemos todas as cousas a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que... foi coroado de glória e de honra".
Então, voltando aos nossos exemplos da morte, a que de modo indevido chamamos de "vontade de Deus", só podemos aceitar que se trata da vontade circunstancial de Deus. Certa vez, quando um bebê caiu de uma janela no quinto andar, alguém me perguntou se aquela morte fora da vontade de Deus. Essa pergunta demonstra a importância de pensarmos de modo correto, visto que nesse caso a resposta é ao mesmo tempo sim e não.
Sim, é da vontade circunstancial de Deus. Quero dizer com isso que é da vontade de Deus que a lei da gravidade esteja em funcionamento. E é da von­tade de Deus que os bebês sejam feitos de carne e osso. Se um bebê choca-se contra um pavimento de concreto ao cair de uma determinada altura, claro que é da vontade de Deus que a criança se quebre — de outra forma, Deus teria feito de borracha ou algo que o valha. No entanto, sinto que devo res­ponder a essa pergunta com um enfático não, afir­mando que a morte do bebê não foi da vontade de Deus, porque não foi de sua vontade, de forma al­guma, que por descuido alguém deixasse a criança cair daquela janela.
Vezes e vezes sem conta, quando as pessoas perguntam "É da vontade de Deus?", penso que te­mos de separar os assuntos, a fim de dar uma res­posta inteligente.
Reflita, por exemplo, sobre a questão das doen­ças. O ministro cristão, ao fazer sua visitação, en­frenta de contínuo a pergunta quanto às doenças serem ou não da vontade de Deus. A primeira res­posta é não. A vontade de Deus para o homem é a saúde perfeita. Mas não devemos esquecer que Deus pode usar um corpo sadio com mais eficácia do que um corpo enfermo. Jesus não teria sido uma bênção espiritual maior, em seu ministério, caso fosse aleijado, diabético ou tuberculoso. Entretan­to, a vontade de Deus encontra-se também dentro das circunstâncias malignas; que todos os sofredo­res que me lêem entendam que, se reagirem cor­retamente diante de tais circunstâncias, a vontade última de Deus será realizada tão eficazmente quan­to se não estivessem doentes. Deus não permitiria o câncer, se essa doença por si mesma fosse capaz de derrotá-lo.
Creio que a questão pode ser mais bem entendi­da, talvez, se pensarmos nas doenças causadas pela invasão dos germes. No meu entender, Deus é res­ponsável pela criação dos germes, mesmo dos que causam doenças. Não sei por que foram criados. Pode ser que tenham tido lá a sua função na nature­za. Acho que ninguém tem a resposta a essa per­gunta.
Se alguns desses germes invadirem um corpo cuja resistência tenha sido enfraquecida por cir­cunstâncias malignas, o resultado é a instalação da doença. E a essa tal doença podemos chamar, se quisermos, a vontade circunstancial de Deus. To­davia, é vontade de Deus apenas dentro das cir­cunstâncias geradas pelo mal.
Deixe-me repetir de novo que essa vontade cir­cunstancial pode ser vista de dois ângulos — o pri­meiro é natural; o segundo, espiritual. Há a afecção física, a que chamamos doença; mas, em segundo lugar, há a possibilidade de o doente reagir de modo esplêndido a essas circunstâncias, de modo que delas surge um bem espiritual, na comunida­de, de maior valor do que a saúde da maioria das pessoas.
É por causa da boa reação de alguns santos de Deus diante das más circunstâncias que se criou a falsa crença de que a enfermidade e o sofrimento são da vontade de Deus. Deixe-me expressar de outra forma. Se houver um reavivamento espiritual tão magnífico que a pessoa passa a viver em íntima cooperação com Deus, o corpo sadio fica mais em harmonia com a sua vontade. Entretanto, muitas pessoas sadias estão adormecidas espiritualmente, sem cooperarem com o Senhor de modo algum, e muitos doentes, por meio de suas doenças, experi­mentam um despertamento espiritual, de modo que dessas circunstâncias malignas extraem forças e liberam energias espirituais muito mais valiosas do que a apatia espiritual dos sadios.
Estou certíssimo de que a batalha contra a doen­ça é da vontade de Deus, e agradeço ao Senhor por todas as pessoas que participam dessa batalha. An­tigamente, nos Estados Unidos, os lobos costuma­vam descer das florestas, entrar nas vilas e causar grandes danos. Entretanto, para os nossos imbatí-veis pais peregrinos, essas invasões de lobos não eram a "vontade de Deus". Lançaram mão de to­dos os seus recursos e "liquidaram" os lobos.
Quando uma comunidade é invadida por um contingente de germes, isso não é da vontade de Deus. A situação é a mesma. Você talvez me diga que os animais são em menor número ou que os germes da doença só podem ser vistos por micros­cópio, mas o problema é o mesmo, e a batalha é a mesma.
Não posso entender como alguém que tenha lido atentamente o Novo Testamento pode se pôr no leito de um doente e, sem dar explicações, emitir a queixa patética de que a doença é da vontade de Deus. Sempre imaginei que Jesus haveria de res­ponder com ira a palavras tão impensadas como essas. Quando lhe levaram uma mulher doente havia muitos anos, Jesus se referiu a ela como "...esta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há 18 anos". Satanás!
Segundo posso entender na atitude de Jesus, tanto pelas palavras que pronunciava, quanto pe­los milagres de cura que realizava de modo esplên­dido, o Senhor sempre considerou a doença parte do reino do maligno e, com todos os seus poderes, a combateu, instruindo seus seguidores a que fizes­sem o mesmo.
Gosto de pensar em Jesus de pé, ao lado do leito de enfermidade, colaborando com médicos e enfer­meiras, para restituir a saúde, atuando na mente e no espírito do doente da mesma forma que os mé­dicos operam no corpo. Se estes falharem, gosto de pensar em Cristo demonstrando ao sofredor que a vitória pode ser conquistada, e a derrota afastada, para que os propósitos de Deus sejam alcançados.
Uma última reflexão. Se você disser: "Bem, tal­vez haja aqui um pouco de descuido da parte de Deus por ele permitir que essas coisas aconteçam, se não estavam em sua intenção original". Concordo em que há algum mistério aqui. Seria tolice dizer que todos os caminhos de Deus fossem claros ao homem. Não quero dar a impressão de poder res­ponder facilmente a todas as perguntas referentes a doenças e a sofrimentos que me fossem trazidas. Eu mesmo muitas vezes me espanto diante do so­frimento que algumas pessoas suportam, de modo especial as criancinhas.
Mas fico imaginando se, em certo sentido, não estamos todos na condição de crianças. Posso ima­ginar uma criança olhando para o pai, que a ama, e lhe perguntando: "Papai, você não acha que é um tanto descuidado de me deixar sentir dor desse jep to?" Imaginei também uma grande reunião de be­bês que ainda engatinham com a capacidade mila­grosa de expor seus pensamentos em palavras. Pense neles, se puder, todos reunidos num grande salão, sendo um deles o líder. Este ajeita o babador e se dirige aos colegas, dizendo mais ou menos o seguinte: "Tenho certeza de que meus pais não se importam comigo. Vejam os meus joelhos!". Os jo­elhos do bebê estão arranhados e vermelhos. E ima­gino a assembléia aprovando a seguinte delibera­ção: "Esta assembléia protesta contra a negligência dos pais e exige que no futuro não se construam móveis com quinas agudas, que sejam abolidos os pisos de pedregulhos e os quintais de concreto, e que as unhas dos gatos lhes sejam arrancadas".
Tenho certeza de que essas resoluções seriam aprovadas por unanimidade. Não dizemos a Deus: "Veja os meus joelhos!". Mas dizemos: "Veja as mi­nhas frustrações, tristezas, decepções e dores! Como podes ser tão insensível, e como esperas que pense­mos que te preocupas conosco?". Talvez as tragédi­as da infância representam para nós o que nossas tragédias significam para Deus.
O Senhor não é insensível, como tampouco o pai, mas suas perspectivas são diferentes. Mas o pensamento que consola a criança também me con­sola. Se a criança pensasse profundamente em seu problema, acho que diria: "Há muita coisa que não entendo, mas sei que o meu pai me ama, e se preo­cupa comigo. Por isso, quanto a mim, estou bem certo de que, pelo fato de Deus ser amor, nada exis­te neste mundo que possa ser considerado tortura absurda. Há muitas coisas que não entendo. Muita coisa há que não poderei entender, senão depois de passar à fase adulta. Mas, como o conheço por ou­tros meios, especialmente pelo fato de ele ser reve­lado em Jesus Cristo, sei que, embora não consiga entender a resposta a minhas perguntas, há uma resposta, e nisso posso descansar feliz."
Pois eu sei em quem tenho crido
E estou bem certo que é poderoso
Para guardar o meu tesouro até o dia final.
Não nos podemos deixar de impressionar pro­fundamente com as respostas que Jesus dava às pessoas. Quando João Batista lhe fez uma pergun­ta, respondeu: "Deixa por enquanto". Quando Pedro lhe fez uma pergunta, o Senhor respondeu: "O que eu faço não o sabes agora, compreendê-lo-ás depois". E quando, na noite mais tenebrosa da história do mundo, anterior ao dia de sua morte, to­dos os discípulos lhe faziam perguntas, disse o Se­nhor: "Tenho muitas coisas a dizer-vos ainda, mas não as podeis suportar agora".
Veja, pois, que nem o próprio Jesus pôde dizer: "Eu expliquei o mundo". O que ele disse foi: "Eu venci o mundo". Ah, se confiamos quando sem en­xergar o caminho, se caminharmos segundo a luz que temos — que muitas vezes eqüivale a lutar contra as trevas —, se fizermos fielmente aquilo que sabemos ser a vontade de Deus, nas circuns­tâncias que o mal nos reserva, podemos descansar, seguros de que as circunstâncias permitidas por Deus, desde que nossa reação seja com fé, coragem e confiança, jamais poderão derrotar os propósitos últimos de Deus para nós. Agindo assim, extraire­mos da vida algo grandioso e esplendoroso. Tere­mos paz de espírito. Encontraremos integração para nossa mente. Seremos capazes de servir nos­sos companheiros com coragem e alegria.
Então, certo dia — essa promessa temos —, con­templaremos a face do Senhor e entenderemos tudo. Agora vemos obscuramente, como que num espelho, mas depois veremos face a face. Franca­mente, por difícil que seja dizê-lo, é falta de fé não ser capaz de suportar a idéia de algo que Deus te­nha permitido.

Sei que o que é certo é certo; que quem dá receberá
mais;
Que o dever ilumina o caminho para os formosos pés
da paz;
Que a coragem é melhor que o medo, e que a fé é mais
verdadeira que a dúvida.
Por mais que os inimigos lutem de modo acirrado, e
por maior que seja o tempo em que os anjos ficarem
ocultos,
Sei que a Verdade e o Direito têm o Universo ao seu
lado;
Sei que, em algum lugar, além das estrelas, há um
Amor mais forte do que o ódio;
Quando cair a noite, eu o verei e esperarei.





























3
A Vontade Última de Deus

Há uma frase no fim do livro de Jó que sintetiza a mensagem deste capítulo: "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado". Moffatt traduziu esse texto assim: "Nada é demasiado difícil para ti".
Falamos a respeito da vontade intencional de Deus — isto é, o plano original de Deus em prol do bem-estar de seus filhos, intenção que a insensatez e o pecado do homem prejudicaram. Tratamos da vontade circunstancial de Deus, sua vontade de acordo com as circunstâncias originadas pela mal­dade humana. Desejo falar agora sobre a vontade última de Deus, do objetivo que, parece-me, ele al­cança, não só apesar do que o homem possa fazer, mas até mesmo utilizando-se dessa maldade a fim de fazer cumprir seu plano.
Voltemo-nos para a cruz mais uma vez, o nosso supremo exemplo. Veremos que:

1.   a vontade intencional de Deus não era que Jesus fosse crucificado, mas que fosse seguido;

2.  a vontade circunstancial de Deus, dadas as cir­cunstâncias geradas pela maldade humana, foi que Jesus aceitasse a morte; todavia, que a acei­tasse de modo positivo e criativo, para que che­guemos à

3.  vontade última de Deus — a saber, a redenção do homem. Este foi reconsquistado para Deus, não apesar da cruz, mas através dela, tendo sido criada pelo pecado humano como instrumento para fazer cumprir a vontade última de Deus.

O quadro que me vem à mente é o de crianças brincando às margens de pequenino riacho que desce montanha abaixo ao encontro do rio. As cri­anças pequenas podem represar um pouco da água do riacho, com o auxílio de pedras e terra. Mas ne­nhuma delas consegue impedir que as águas che­guem, finalmente, ao rio. (Não me apertem contra a parede, dizendo que uma empresa de engenharia poderia fazer uma represa que segurasse toda a água!) Diante de Deus, somos criancinhas bem pe­quenas. Embora consigamos às vezes desviar e pre­judicar seus planos, não creio que os consigamos derrotar definitivamente. Ainda que esse exemplo não nos leve tão longe, digo que com freqüência nossos erros e pecados são utilizados como mais um canal a levar a água dos planos de Deus ao rio de seus propósitos.
Como vê, a onipotência de Deus não significa que, mediante simples exibição de poder superior, ele consegue o que quer. Se agisse dessa maneira, o livre-arbítrio do ser humano seria uma ilusão, e o seu desenvolvimento moral, impossível. O "objeti­vo" que Deus tem em mente não pode ser imposto; o propósito de Deus, a expiação de todas as almas consigo, deve provir da escolha individual do ser humano; não vem da imposição da vontade de Deus, com poder irresistível que não deixa lugar para a nossa livre escolha.
Poder significa capacidade de alcançar um obje­tivo. Visto que o propósito é ganhar a vontade do ser humano, qualquer atividade de Deus que ne­gasse ou suprimisse a vontade humana (para que não lhe derrotasse o propósito) não seria uso de poder, mas confissão de fraqueza e permissão de derrota.
Quando dizemos, portanto, que Deus é onipo­tente, não queremos dizer com isso que nada vá acontecer sem a vontade (= intenção) de Deus. Queremos dizer, isso sim, que nada acontece que o derrote de modo definitivo.
Para que o homem seja livre de fato, para que a comunidade se una num vínculo tão forte, que um sofre por todos da mesma forma que um se benefi­cia de todos — para que a vida, em suma, se baseie
na família e não no indivíduo, então é óbvio que dez mil coisas poderão acontecer contrárias à inten­ção de Deus, e milhões de inocentes sofrerão por causa do pecado alheio. Não precisamos de mais exemplos dessa grande verdade. Os horrores da guerra e o sofrimento de inocentes comprovam-no de modo enormemente convincente.
O que se entende por onipotência de Deus é que ele alcançará por fim o seu objetivo último, que nenhum valor se perderá, ainda que o ser hu­mano consiga represar e prender a corrente dos propósitos de Deus. E Deus — se não puder usar seres humanos como agentes — os empregará como seus instrumentos, embora com grande so­frimento para o Senhor e para eles mesmos. "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado."
Aqui vai outro exemplo que pode ajudar-nos. An­tes de existir o extinto mata-borrão, secava-se a tinta de um documento mediante um pó fino espalha­do sobre a folha. Certo dia, um operário de uma empresa de papel cometeu um erro. Digamos, só para fazer uma comparação, que o tal homem co­meteu um pecado. Por causa de sua flagrante desatenção e falta de cuidado, o operário deixou de fora um ingrediente químico. Conseqüentemen­te, o papel produzido revelou-se impróprio para a escrita. O dono da fábrica ficou irado. Aquele erro iria significar a perda de toda a carga de papel pro­duzido.
Quando, porém, lhe trouxeram amostras do pa­pel e ele tentou escrever, o homem notou que o pa­pel absorvia de imediato a tinta. Ocorreu-lhe então a idéia do mata-borrão. Digamos, só para o propó­sito de nossa discussão, que o objetivo do dono da fábrica de papel era ganhar dinheiro. Vemos, então, que a aparente perda converteu-se em lucro. O ob­jetivo último (ganhar dinheiro) foi alcançado, ainda que a intenção (ganhar dinheiro mediante a venda de papel para escrever) foi frustrada pelas circuns­tâncias criadas pelo mal (o descuido do operário), às quais houve reação positiva e criativa.
É claro que nenhum exemplo que criemos abrangerá com perfeição a realidade espiritual. Você poderia, diante disso, fazer uma objeção: "Ora, muito bem, então não vamos incomodar-nos com coisa alguma. Pouco importará se formos des­cuidados, estúpidos ou pecadores. Se Deus pode usar o mal tanto quanto usa o bem, que Deus cuide dos males! Nada que façamos parece fazer grande diferença!".
Pois aí está o velho argumento que Paulo com­bateu com tamanho vigor, em sua carta aos roma­nos. Quando os homens perguntavam "Permane­ceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?", assim respondeu Paulo: "De modo nenhum. Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?". Desde que tenhamos visto o que é o pecado — "o braço erguido, o punho fechado, o murro na face de Deus", como Joseph Parker o descreveu —, como poderemos praticá-lo? Seria como se um estudante de Medicina abrisse a cabeça da mãe com um machado e dissesse: "Esta minha ação foi muito boa!? Aumentei meu conheci­mento da estrutura do cérebro".
O pecado é o fato mais negro do universo. Uma coisa é dizer: "Este mal foi cometido. Que bem pos­so extrair dele?". Outra, completamente diferente, é dizer: "Vou praticar o mal de modo premeditado a fim de tirar algum proveito dele".
Além disso, embora Deus use um instrumento para alcançar seus objetivos, se tal instrumento for um ser humano, este deve pagar pelos seus peca­dos. Deus usou a cruz, já dissemos, como instru­mento para um propósito divino, mas isso não im­pediu que o Senhor afirmasse a respeito de Judas: "Ai daquele por intermédio de quem o Filho do ho­mem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido!" (Mt 26:24). E ainda: "É inevitável que ve­nham escândalos, mas ai do homem pelo qual eles vêm!" (Mt 18:7).
Com tudo isso bem claro na mente, a mensa­gem, no entanto, se me afigura de imenso consolo para estes dias. São dias de grande dor e de grandes perdas, de sofrimento e de tristeza. Todavia, não são dias de desperdício. São fruto do pecado do mundo inteiro. Voltando ao exemplo do mata-borrão, tra­ta-se agora da negligência, não de um só operário, mas de milhões. Não pensaremos no passado com frases que se iniciam com: "Ah, se em 1918 nós hou­véssemos...". A idéia é dolorosa demais agora. O resultado daquele descuido, que resultou na 2-Guerra Mundial, não foi desperdício de papel, mas de vidas, lares, cidades, dinheiro e energia. Mas será que houve tão-somente um desperdício? Mi­nha resposta é um retumbante não! Pela simples ra­zão de que confio no Dono dessa grande fábrica, re­presentada por um mundo de operários que estão alcançando os seus propósitos. Ele não perde a pa­ciência, nem diz a respeito deste mundo: "Estou farto de vocês todos. Eu não os devia ter criado!".
Imagine que a terra é ferida com um golpe de máquina agrícola. A natureza se porá a trabalhar de imediato para cicatrizar o ferimento. Ela o cobri­rá de relva verde que cresce nas imediações, e tam­bém com violetas e outras flores, as quais não pode­riam ali crescer enquanto um rasgo na terra não servisse de abrigo contra o vento norte. Com um plano perverso, os homens crucificaram o Filho de Deus, mas dentro de seis semanas outros homens estavam pregando que a cruz era instrumento de salvação. Esses pregadores não se referiam à cruci-ficação como um crime dos homens. Com ousadia quase alarmante, referiam-se à cruz como obra re­dentora de Deus.
Agora o mundo todo está crucificado. Mas veja o que está acontecendo! Surgiu uma nova consciên­cia social. Que conversa toda é essa a respeito de uma lei de ensino, de novas prescrições para a saú­de, de novas providências habitacionais, de novo planejamento urbano? Ora, que relação isto tudo tem com a guerra? Havia cortiços e favelas antes da guerra, péssimas condições escolares e mau atendi­mento médico ao povo. Não foi a guerra que trouxe isso. Digo-lhes que o Espírito de Deus está em ope­ração, num trabalho magnífico. Ele faz que a ira do homem sirva ao seu propósito, e proporcione o cumprimento de sua vontade última.
O Senhor está usando o momento em que o co­ração do homem está horrorizado pelo mal que ele mesmo gerou. E nesse momento que o Senhor o desperta para aquilo que sempre foi a vontade divi­na. Deste modo, desperto e sensível, o homem, ao cumprir a vontade circunstancial de Deus, pode chegar à sua vontade última, com tanta certeza quanto se a vontade intencional tivesse sido de iní­cio cumprida. É certo que o horror extremo da guerra não teria sido necessário para que o homem entendesse as intenções de Deus para seus filhos que vivem nas grandes cidades.
Uma jovem senhora, cujo marido morreu num aci­dente, disse-me o seguinte: "Sim, admiro sua preo­cupação com os assuntos do mundo e com os pro­blemas cívicos, mas cheguemos ao indivíduo. Meu marido foi morto, e meus dois filhos pequenos fica­ram sem pai. Sou jovem, e a minha vida se estende numa longa solidão. Como Deus pode realizar sua vontade última em minha vida? É certo que sua vontade intencional foi um lar para mim e a felici­dade no casamento. Na minha maneira de ver, a vontade de Deus fracassou para sempre".
Se eu lhe oferecesse uma resposta fácil, eu me odiaria a mim mesmo, e você me desprezaria. Con­siderei a pergunta porque quero ser sincero e não quero fugir dela. Neste caso, ninguém pode dar uma resposta a não ser pela fé, visto que ninguém consegue ver o fim a partir do começo. Permita-me dizer duas ou três coisas, com muito amor. Na noi­te da Sexta-Feira da Paixão, onze homens sentiam-se imersos na maior depressão e angústia, como você. Diziam no coração: "Confiamos nele. Segui­mos os seus passos. Ele queria estabelecer o reino. Foi o que ele nos disse. E o maligno teve permissão para arrebatá-lo de nós. Isto é o fim".
No entanto, estavam errados, não? Era apenas o fim do equívoco deles e o início do mais maravilho­so uso do mal por parte de Deus. Se você se entre­gar ao desespero, também estará errado! Um dia, como aqueles discípulos, descobrirá quão profun­damente errado esteve e ficará mais triste com seus desesperos do que com suas perdas.
Você sabe que o seu amado não se perdeu. Ele vive. O Senhor está executando seu plano. Deus está usando seu amado no que ele quer para você. Por que você não reassume a vida com coragem, em comunhão espiritual com Deus, em memória do amado que está com o Senhor? Por que não se torna o pai e a mãe de seus pequeninos? Por que não conforta os corações mais fracos que o seu, nes­ta noite escura que caiu sobre a humanidade? Diga com o poeta Tennyson:

Nada caminha com pés errantes; Nenhuma vida pode ser destruída, Nem jogada fora como lixo ao nada, Pois Deus importa-se com todos nós: guarda-nos para si.

Aí está, pois! Tenho certeza de que você não vai ser defraudado. Quando chegar ao fim da estrada não terá nenhum sentimento de injustiça, nenhum sen­timento de perda. A vontade intencional de Deus era que você exercitasse plenamente sua personali­dade, por meio de algo que poderíamos chamar de regato da montanha, os anos verdes de sua vida conjugai. O regato está agora represado. Mas você tem certeza, segundo o lugar onde está, com visão tão limitada, de que Deus não pode realizar sua personalidade por nenhum outro meio? O propósi­to primeiro para o universo todo é o Amor, e Deus jamais falhará, jamais desamparará nenhum de seus filhos, a menos que se lhe oponham para sem­pre.
O mal pode fazer-nos coisas terríveis. Quanto mais leio e penso, mais acredito no diabo.
— Deus está dando corda ao diabo nestes dias — disse um amigo, doutor em teologia, à sua mãe.
— Sim — disse a senhora idosa — mas continua segurando a outra ponta com firmeza.
Deus reina. Um Deus que é como Jesus, que morreu para que um sonho se tornasse realidade. Uma realidade melhor que nossos mais fantásticos sonhos. Descanse nesta certeza da vontade última de Deus. "Nem olhos viram, nem ouvidos ouvi­ram, nem jamais penetrou em coração humano, o que Deus tem preparado para aqueles que o amam". Confie em Deus. Descanse na natureza de Deus. Ele, que iniciou essa curiosa aventura a que chamamos vida humana, a controlará até o fim. "Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o pri­meiro e o último". A última palavra está com Deus.
Esse Deus, que vive e ama para sempre, Um só Deus, uma só lei, um só elemento, Um só acontecimento divino e distante, Para quem a criação toda se dirige...
"Um só acontecimento divino e distante" de na­tureza tal qual nenhum ser humano pode sequer sonhar, mas a que podemos chamar de concretiza­ção da vontade última de Deus.











































4
Como Discernir
a Vontade de Deus

Tendo feito as distinções acima a respeito das três maneiras como a vontade de Deus se ma­nifesta, podemos perguntar-nos agora se é possível discerni-la, e como. Faço um quadro mental para você: o de uma pessoa perdida numa floresta. Não precisamos descobrir se ela se perdeu por culpa sua, ou se foi mal-orientada, ou se teria sido vítima de um acidente. A pessoa perdida está fazendo uma pergunta que nos últimos dias tem estado nos lábios de muita gente: "E agora, para onde vou?". Essa pessoa entende que deve haver um caminho, o plano de Deus para sua vida, naquelas circuns­tâncias, mas de que maneira pode essa pessoa ter certeza de que aquele é o caminho de Deus, e como pode ter certeza de que não cometerá erros?
Primeiro, vamos responder à primeira pergun­ta.
Para sermos bem sinceros, essa pessoa não pode ter certeza de não estar cometendo um erro enquan­to não chegar ao fim. Precisa ir caminhando pela fé, mais que pela vista. Todavia, se estiver disposta a ler as "placas"e seguir as orientações, vai acabar no lugar em que Deus queria que estivesse. Felizmen­te Deus lida conosco no exato lugar onde estamos.
Há uma história engraçada a respeito de um motorista que pôs a cabeça para fora da janela do carro e perguntou a um camponês qual era o cami­nho para Londres. Ao que este respondeu: "Bem, senhor, se eu estivesse indo para Londres, eu não começaria por aqui". Felizmente, Deus pode come­çar conosco onde estamos, e ele tem meios de mos­trar-nos o caminho de sua vontade para nós.
Estou certo de que a maior ajuda disponível para quem quer descobrir a vontade de Deus está em aprofundarmos nossa comunhão com ele. To­dos os que conhecem a Deus são os que de modo mais rápido e certo discernem a sua vontade. Às vezes se ouvem pessoas discutindo a respeito de um presente que gostariam de dar a um amigo. É possível que alguém então diga: "Ora, eu o conhe­ço há 50 anos. Sei o que ele gostaria de ganhar". Penso que, de modo geral, a autoridade de tal pes­soa é imediatamente reconhecida.
Às vezes, tentando interpretar a vontade de uma pessoa morta, alguém dirá: "Eu sei de que ele mais gostaria". O conhecimento, a amizade e o amor tornam-se as qualificações que decidirão o que se fará a respeito da pessoa em questão.
Sem dúvida foi a intimidade que Jesus desfruta­va com o Pai — se pudermos dar-lhe nome tão sim­ples — que fazia o Senhor ter tanta certeza, ao tri­lhar os caminhos tortuosos deste mundo, em cada curva, e em cada bifurcação, de qual era a direção segundo a vontade de Deus.
O Senhor quase se perdeu no jardim das Olivei­ras; a noite estava excessivamente escura. Foi difícil encontrar o caminho; mas, ajoelhando-se em pro­funda agonia espiritual, o Senhor usou a chave po­derosa — "Não se faça a minha vontade, e, sim, a tua". Cristo abriu a porta que o levaria à morte, crendo que naquelas circunstâncias deveria tomar o caminho da cruz.
Entretanto, deixando de lado a amizade e a comu­nhão, há numerosas "placas" que nos orientam, sobre quais eu gostaria de falar de modo breve.

1. A consciência pode ter origem humilde. Algu­mas pessoas acham que é uma espécie de sabe­doria de grupo, acumulada ao longo das eras, à medida que as pessoas iam descobrindo que certos comportamentos conduziam a um preci­pício, outros a um beco sem saída e outros cons­tituíam avenidas. Sei que pode-se dar muito desprezo a essa voz suave e modesta do interior do coração. Os seres humanos já praticaram o mal, supondo estarem seguindo os ditames da consciência. Essa voz é distorcida pelo nível es­piritual que a raça atingiu, e depende muito da sensibilidade da pessoa que a ela reage.
Até mesmo pessoas da mesma geração têm opiniões diferentes a esse respeito. Uma pessoa pratica algo relativamente mau sem sentir ne­nhuma alfinetada na consciência. Outra faz a mesma coisa e sente que um tormento lhe pene­tra a alma, um grande remorso, o qual talvez não se justifique tanto.
Anos a fio a escravidão jamais foi condenada pela consciência humana, e, nos séculos à nossa frente, muitas pessoas acharão incrível que nos­sa consciência pudesse dormir sem se preocu­par com as favelas e com as guerras. Porém, no final de tudo, reconheceremos uma voz que dirá: "Isto está certo; aquilo está errado". E reco­nheceremos o caminho que conduz à vontade de Deus.

2. Há outro "sinal" de estrada a que damos o nome de "bom senso". "Orei pedindo orientação", dis­se um homem certa vez, "mas nada aconteceu. Não recebi resposta alguma às minhas orações. Então usei o bom senso". Mas, quem lhe deu o "bom senso", e por que foi-lhe dado? Se Deus colocou dentro da nossa mente um maquinismo que nos ajuda a tomar decisões, por que não o usaríamos? É certo que um entendimento baseado na apreciação bem ponderada da situação merece mais confiança do que impulsos. Mas não merece mais confiança que os desígnos de Deus. Ao mesmo tempo precisamos fazer uma advertência: às vezes a orientação da vontade de Deus é o oposto daquilo que o bom senso está determinando. Às vezes a vontade de Deus é o que o mundo chama "loucura".

3. Não vamos desprezar o valor do conselho de um amigo. Não me refiro ao conselho de um ministro do evangelho, nem o de um consultor profissional; refiro-me a compartilhar as dificul­dades com um amigo sábio que, pelo fato de poder ver a questão de outro ângulo, consegue enxergar os prós e os contras de modo imparcial, e que, por estar emocionalmente fora do proble­ma, muitas vezes nos pode prestar um conselho muito útil.

É claro que há problemas em que o melhor meio de Deus ajudar a pessoa é mediante um es­pecialista. Numa situação médica ou psicológica difícil, talvez não tenhamos sabedoria suficiente para trazer a melhor solução; o psicólogo fez dos problemas particularmente difíceis para nós seu campo de especialização. De novo pensemos no conselheiro como um instrumento nas mãos de Deus, como alternativa à nossa capacidade de avaliação. Lembre-se de duas citações de Browning:

Silêncio, eu imploro!
Esse amigo pode muito bem ser... Deus!

e a outra:

Deus nos ensina a ajudar-nos uns aos outros;
Portanto, emprestemos nossa mente.

Descubra um amigo com visão cristã, para que lhe empreste sua mente na resolução de seus problemas, e Deus dará a você orientação segu­ra. Não quero dizer que há obrigatoriamente uma identificação entre o que o amigo aconse­lhar e a vontade de Deus, mas o problema, visto sob novo prisma, se apresentará de forma mais clara.

4. Há outra maneira de usar a mente e a sabedo­ria das pessoas. Agimos assim ao ler bons li­vros, sobretudo os históricos e os biográficos. Já fui grandemente consolado ao ler biografia de grandes homens. Poucos problemas existem em nossa vida que grandes pessoas já não tenham enfrentado antes de nós; e, quando lemos a Bí­blia, biblioteca de variados livros, embora escri­tos sob uma perspectiva ímpar — sob as três manifestações da vontade de Deus e sob os pro­pósitos de Deus —, talvez tenhamos acesso com maior clareza à orientação que Deus proporcio­na aos filhos que procuram discernir sua von­tade.

5.  Não se deu ainda, creio, o devido valor à voz da Igreja. Certa vez Jesus recomendou a seus discí­pulos que ouvissem a igreja (Mt 18:17). Acredito não estar sendo demasiado severo se disser que nenhuma igreja funcionará como deve se não mantiver grupos de comunhão fraterna aos quais o crente perplexo possa levar seus proble­mas. Esse irmão pode até disfarçar, dizendo: "Conheço um homem que...", sendo ele próprio a pessoa com problema.
Posso afirmar com certeza, baseado na expe­riência própria que tive no City Temple, que às vezes a alma perturbada, em busca em discernir a vontade de Deus recebe direção com clareza cristalina, quando recorre a um grupo de crentes solícitos, prudentes, amorosos, perguntando qual seria a vontade de Deus em determinada si­tuação.

6.  Nossos amigos quacres utilizam muito bem o que chamam "luz interior", e apoio inteiramente as afirmações que fazem. Dizem que Deus pode falar diretamente à alma humana e mostrar sua vontade aos que o buscam. Sem dúvida isto é verdade. Desejo fazer apenas um alerta. Seguir a prática dos grupos de Oxford, esforçando-se para que a mente fique inteiramente vazia e, a seguir, considerar qualquer coisa que vier à mente como vontade de Deus, é prática de todo temerária.
Corremos o risco de supor que esse método pelo qual recebemos a "luz" faz que ela seja "di­vina". Mas o pensamento ou impulso que ocorre à mente vazia é apenas o fruto de processos mentais anteriores como, por exemplo, do pen­samento que ocorre à mente depois de longa discussão. Na verdade, ninguém consegue des­ligar a mente, apagá-la a partir de certo ponto, impedir o fluxo dos pensamentos. Isso é tão im­possível quanto tentar isolar uma onda do mar, na suposição de que nenhuma relação tem com as demais ondas que vêm atrás. No entanto, se o método for usado com sabedoria e prudência e se o que "vier" à mente naqueles momentos de tranqüilidade for testado de outras maneiras, como as apresentamos acima, se tudo for "testado"por outras pessoas, ninguém pode negar que a vontade de Deus pode ser discernida desta maneira.
Dessa forma, então, a vontade de Deus, no mo­mento que precisamos de ajuda, pode ser discernida. Quero ressaltar a última parte do que acabei de dizer: no momento que precisamos de ajuda. Já cometi o erro de tentar discernir a vontade de Deus com anos de antecedência. Cheguei à conclu­são de que Deus não nos incentiva a ver as coisas à nossa frente se estiverem ainda longe demais. Deve-se aceitar a realidade de que não sabemos onde e como a estrada vai terminar. Basta saber que, ao chegar a uma encruzilhada, saberemos que caminho tomar.
Embora gostemos de pensar que é de máxima importância não cometer erros — e repito que ja­mais podemos ter certeza de não haver cometido um erro —, creio firmemente no conceito expresso no capítulo sobre a vontade última de Deus. Nos­sos erros, se cometidos de boa fé, não resultarão em ficarmos perdidos. "Não perderemos nosso cami­nho providencial." Com freqüência Deus interliga nossos erros ao elaborar seu plano para nós, da mesma forma que tece nossos sofrimentos e peca­dos.
Entretanto, permita-me encerrar o capítulo com duas perguntas desafiadoras que sempre me faço e desejo transmiti-la a você:

1. Quero mesmo discernir a vontade de Deus, ou simplesmente quero que ele aprove a minha? Conta-se a história engraçada do pastor que fora convidado para pastorear uma igreja que paga­va um salário quatro vezes maior que o que ele vinha recebendo. Sendo homem consagrado, passou muitas horas em oração a fim de discernir a vontade de Deus. Certo dia um ami­go encontrou o filho desse pastor na rua e per­guntou-lhe:
— Então, o que o seu pai está fazendo?
— Bem — disse o garoto — meu pai está orando, e minha mãe encaixotando as coisas.
O pai perguntava a Deus: "Que queres que eu faça?". Mas a mãe, com intenções não tão boas, estava dizendo a Deus: "Vou fazer isso, Senhor. Espero que tu aproves".
Discernir a vontade de Deus significa colo­car-nos fora do quadro — não vamos escolher um caminho, argumentando que é o caminho de Deus, só porque é desagradável (já tratei des­sa falácia), nem ir ao outro extremo, dizendo: "Vou fazer tal e tal coisa. Por favor, aprove meu plano, Senhor, porque quero muito realizá-lo".

2. A segunda pergunta desafiadora é a seguinte: Terei coragem de aceitar e fazer a vontade de Deus depois que a discernir? Muitas pessoas formulam inúmeras perguntas sobre a maneira de poderem descobrir a vontade de Deus. E todo pastor sabe o que significa sentar-se ao lado de uma pessoa ansiosa por obter respostas a es­sas perguntas. Entretanto, muitos pastores têm tido a experiência de conhecer pessoas que, ao chegarem a descobrir claramente qual é a vonta­de de Deus, dizem: "Não. Farei qualquer coisa, menos isso". Visto que percebo em mim mesmo essa fraqueza, passo adiante a advertência de que às vezes precisa-se não de discernimento, mas de vontade e disposição forte para obedecer a Deus. No meu caso, preciso muito mais de for­ça de ânimo, coragem, fé, resolução, perseveran­ça do que de discernimento. Drinkwater disse-o bem:

Não te pedimos o conhecimento tu no-lo deste já.
Senhoro querer realizá-loaqui está nossa maior necessidade.
Dá-nos o efetuar, acima da intenção. A ação, a ação!



Em Sua Vontade
Está a Nossa Paz"

Neste capítulo gostaria que o leitor tivesse em mente não só a citação de Dante, que encima estas linhas — "Em sua vontade está a nossa paz" —, mas também a palavra de Deus no livro de Pro­vérbios: "Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas"(Pv 3:6).
Podemos achar magnífico o fato de Dante ter dito: "Em sua vontade está a nossa paz", mas há tanta coisa acontecendo no mundo hoje fora da vontade de Deus — pelo menos no sentido de estar fora da intenção de Deus —, que podemos nos sen­tir afastados da paz. Exatamente! Essa é a razão por que não encontramos a paz, antes a guerra a nos cercar e a intranqüilidade de espírito. Depois de tantos anos de guerra não é de surpreender que en­contremos tantas pessoas doentes. Se não estão incapacitadas no corpo, milhares se encontram ansio­sas, preocupadas e insones. Além disso, se uma pessoa tiver imaginação ou um pouco de sensibili­dade e permitir que a mente divague sobre o mor­ticínio e o sofrimento, sobre a preocupação e a infelicidade deste mundo, sua mente permanecerá ferida.
Só se sente bem a pessoa que, de alguma forma, por causa de seu temperamento ou de sua indife­rença, ou pela capacidade de desviar os olhos das desgraças, conseguiu edificar um muro de defesa a separá-la do mundo que sangra ao redor. Para a maioria das pessoas sobra a tristeza profunda, dia após dia. Subitamente tal tristeza se concentra num caso excessivamente doloroso, quando a pessoa que sofre é alguém que amamos, ou por que a pes­soa que sofre nos escolheu como portadores de seu fardo.
A pessoa alegra-se ao encontrar o alívio de ter o fardo compartilhado; mas às vezes um de nós, so­fredores, julga que não conseguirá viver um só dia mais. O sofrimento é tão grande, o peso é tão esma­gador que até nos impacientamos como Dante, cla­mando: "Sim, mas nada disso é da vontade de Deus. Então, que paz podemos encontrar?".
Penso ser aqui que deve entrar o valor de nosso pensamento anterior, nossa distinção entre a vonta­de intencional, a vontade circunstancial e a vontade última de Deus.
Vimos que a vontade intencional de Deus pode ser desviada pelo mau uso que o homem faz do livre-arbítrio — pela loucura e pela ignorância deste mundo, e pelo relacionamento familiar mediante o qual a humanidade toda está intimamente ligada, de tal modo que os seus pecados me afetam, e os meus pecados afligem aos demais. No entanto, existe uma vontade de Deus dentro das circunstân­cias ocasionadas pelo mal.
Creio, como já disse antes, que a cruz não foi a intenção de Deus para Jesus Cristo. A intenção de Deus foi que as pessoas seguissem a Jesus, não que o crucificassem. Mas, quando os homens perversos atiraram Jesus à cruz, o Senhor aceitou a vontade de Deus naquelas circunstâncias, e sua reação transformou a cruz em instrumento de poder, me­diante o qual a vontade última de Deus pôde ser re­alizada.
No jardim do Getsêmani, quando a sombra da morte descia sobre o Senhor, ele viu, à semelhança do peregrino de Bunyan, uma luz brilhante; ao per-severar no caminho, o Senhor cumpriu os propósi­tos de Deus, não só apesar da cruz, mas através dela.
Assim, a mensagem deste capítulo é que nenhu­ma circunstância má pode jamais nos sobrevir sem descobrirmos nela um caminho, o qual é a vontade de Deus para a ocasião, e devemos praticar, como vimos no último capítulo, o discernimento da von­tade de Deus, para que não tropecemos nem fracassemos na descoberta de qual seja esse caminho. Quando o tivermos achado, ainda que o mundo inteiro esteja em tumulto, haverá pelo menos a paz interior, bem no âmago de nosso ser — a paz que sobrevém pelo fato de nos sabermos dentro da von­tade de Deus, a qual nos é revelada naquelas cir­cunstâncias, naquele momento.
Participar da vontade de Deus redunda em paz por três razões:

1. Livramo-nos do medo de nos perder. Todos sa­bem quão terrível é quando a criança não conse­gue encontrar o caminho de casa. Há uma boa ilustração a esse respeito, na maneira pela qual um piloto de avião descobre o caminho de casa. Uma onda de rádio é enviada pela estação de sua cidade. Desde que o piloto permaneça den­tro dessa onda e a siga, encontrará o caminho de casa. Se se desviar da onda, um ruído forte res­soará nos fones de ouvido, o que significa com toda clareza: "Você está indo na direção errada. Volte até que haja total silêncio". Dentro da onda sonora, há paz.
Creio não estar forçando a ilustração ao dizer que Deus envia, por assim dizer, uma onda de orientação — isto é, sua vontade para nós nas circunstâncias que enfrentamos agora — e, en­quanto estivermos dentro de sua vontade, tere­mos paz. A turbulência e a intranqüilidade tomarão conta de nossa mente, se nos afastarmos de sua vontade ou não conseguirmos achá-la — coisa que com freqüência, como bem sei, para grande tristeza minha, nos acontece, ainda que procuremos diligentemente evitá-lo.
Acho que acontece a mesma coisa na cabecinha de um pássaro. Não nos referimos à "cora­gem" nem à "confiança" da andorinha, visto que tais valores humanos não têm sentido no mundo das aves. Todavia, na primavera, ou no início do verão, uma andorinha na África lon­gínqua inicia uma viagem de milhares de quilô­metros, de volta aos telhados da mesma cidadezinha, às mesmas árvores em que no ano passa­do edificou seu ninho. Essa andorinha não se desviará, nem perderá o caminho. Descobrirá seu caminho não-traçado, entre as tempestades, entre ventos tempestuosos, por cima das ondas tumultuadas, sem perturbação alguma, sem mau humor, sem ansiedade, visto que, embora de modo mecânico, instintivo, a andorinha está no caminho da vontade de Deus, e na vontade de Deus há paz. Assim é que Browning diz:

Partirei a fim de testar minha alma!
Vejo meu caminho, como os pássaros vêem sua traje­tória não-traçada.
Eu chegarei! Não pergunto a que horas, por qual cir­cuito,
por qual caminho terei de seguir...
Na hora certa, na boa hora de Deus, chegarei lá.

Guardemos bem esta mensagem: ao nos mantermos na vontade de Deus, como a vemos em qualquer experiência, descobrimos o cami­nho, ainda que sobrevenham tempestades apa­rentemente avassaladoras, até por fim chegar­mos aonde Deus quer que estejamos — e o obje­tivo de todos os esforços humanos é cumprir os propósitos de Deus e ser um com ele.

2. A segunda razão por que penso que encontra­mos paz na vontade de Deus é esta: elimina-se o terror de ter de carregar a responsabilidade dos fatos. Que momento angustioso quando a mul­tidão, clamando ardentemente pela crucificação de Cristo, gritava: "Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos". O povo entendia estar pronto para assumir a responsabilidade de seus atos.
Esse peso da responsabilidade com freqüên­cia nos esmaga. Mas creio que a mensagem de Deus a nós inclui isto. É como se ele nos disses­se: "Enquanto você estiver tentando fazer mi­nha vontade, aceitarei a responsabilidade por tudo que acontecer. Carregarei o fardo em seu lugar. Dirigirei sua vida, e as conseqüências se­rão minha responsabilidade, não sua". "Reco­nhece-o em todos os teus caminhos, e ele endi­reitará as tuas veredas" (Pv 3:6).
Talvez outro exemplo nos ajude aqui. Há pouco tempo tomei conhecimento de uma garo­ta cuja mãe, longe de casa, delegou-lhe a responsabilidade de cuidar da casa, do pai e de vários irmãos menores. Você talvez consiga imaginar o peso da responsabilidade posto sobre os ombros daquela criança, que tinha a tarefa de substituir a mãe, não só no cuidado da casa, mas na aten­ção às exigências das crianças menores. Essa me­nina comportou-se com bravura e desempe­nhou suas funções de modo maravilhoso. Mas, quando a mãe voltou, você pode imaginar o alí­vio da menina? Ela clamou: "Ah! Mãe! Que bom que você voltou!".
Lembre-se de que a menina talvez tenha con­tinuado a desempenhar a maior parte daqueles deveres domésticos, mas agora a mãe assumia a responsabilidade. Creio que esse exemplo é pro­fundo.
Quando submetemos nossa vontade à supre­ma vontade de Deus, em certo sentido podemos dizer a Deus: "Que bom que tu voltaste!". Já não estamos desempenhando uma série de deveres desacompanhados, nem levando sozinhos a res­ponsabilidade da vida. Estamos tentando fazer a vontade de alguém que está conosco o tempo todo, e que nos diz: "Tudo que você tem de fazer é seguir meu plano, minha vontade, dia a dia, e a responsabilidade pelo que acontecer será mi­nha. Eu a assumirei por você". Porém, muitas vezes, em vez de deixarmos que Deus se respon­sabilize, estamos tentando arcar com o peso do mundo. Mas isso é responsabilidade de Deus.
Talvez eu possa ilustrar um pouco melhor o que pretendo dizer, citando parte de uma ora­ção que escrevi há pouco, para meu conforto es­piritual, num período de tensão muito forte:

Senhor Jesus, a ti que suportas o peso dos homens, e és confortador dos oprimidos, trazemos todos os que estão tristes. Ajuda-nos a partilhar teu amor fortalecedor com o nosso próximo, mas concede-nos a graça de termos o contínuo refrígério da comunhão contigo. Que não sejamos esmagados pelos fardos do mundo. Tu és o que leva os nossos fardos nós não agüentamos peso algum. Tu és o Redentor; nós, os pe­cadores. Só tu, ó Cristo, podes carregar as tristezas do mundo. Nessa fé, ensina-nos a cumprir nossos deveres, dia a dia, desde que os entendamos como vontade tua, e livra-nos da opressão e da tirania dos que tentam opri­mir-nos com pesos superiores aos que o ser humano pode suportar. Que olhemos para ti continuamente, ó Cordeiro de Deus, que levaste os pecados do mundo.

3. A terceira razão por que na vontade de Deus re­side a nossa paz é que pela sua vontade nossos conflitos se resolvem. Estou certo de que um pouco de conflito é essencial para o progresso da alma. A alma inconsciente do conflito não conse­gue perceber o confronto do bem com o mal — está como que cega aos impulsos da tentação por se entregar demais a ela; esta já não exerce seu poder, e a ação desejada é efetuada sem conflito algum. Segue-se uma horrenda deteriora­ção da personalidade.
Ao mesmo tempo, como é fraco o homem que está constantemente pesando as suas deci­sões: "Devo fazer isto? ou Devo fazer aquilo?". O princípio orientador "farei a vontade de Deus no que puder discerni-la" responde a muitos de nossos conflitos e traz-nos paz e forças. Se nos for dito: "Sim, mas você poderia fazer cessar o conflito tomando uma decisão errada", minha resposta é que cometer um erro sempre suscita uma dezena de conflitos quando antes havia apenas um. Afundamo-nos cada vez mais no pântano do mal e perdemos as forças na tentati­va infrutífera de safar-nos dali, pois o universo tende para o bem.
Para o direito eterno
As estrelas eternas são fortes.
Se esta fosse uma aula de psicologia, eu tentaria explicar com que freqüência a personalidade se exaure nos conflitos internos. Ao escrever estas pa­lavras, lembro-me de uma jovem oficial do Exército que certa vez me consultou, queixando-se de fadi­ga tão grande que em certas ocasiões não conseguia erguer o braço acima dos ombros para pentear os cabelos. Sua mente estava atormentada pela obses­são de vir a adoecer. A verdade era que parte de sua mente desejava adoecer, visto que a doença lhe traria compreensão, amor e segurança no lar, sob os cuidados dos pais. Seu namoro havia sido rompido recentemente; a moça sentia-se sem amor, e almeja­va o carinho da mãe. Mas outra parte de sua mente temia a doença, para ela sem causa real, e essa do­ença resultaria em grande sentimento de culpa por ter de sair do Exército. Ela odiava o Exército, por­que nele não havia a menor oportunidade de ser amada. A sede de amor e a ausência de amor — como sabem muito bem os psicólogos — são im­portantes causas das neuroses.
Tais conflitos nos deixam exaustos e enfraqueci­dos. A jovem sente o conflito entre o dever para com sua mãe e o desejo de independência. O dr. Hadfield nos conta que, na mente de certo soldado, o sentimento do dever era tão forte, mas formava tão grande conflito com seu desejo de fugir, movi­do pelo instinto de autopreservação, que lhe cau­sou uma paralisia nas pernas, a qual solucionou o problema imediatamente, embora fizesse dele uma vítima, uma baixa no Exército.
Em nossa clínica psicológica conheci o conflito que assolava um estudante. Este tinha o desejo de sobressair-se nos estudos universitários, como fize­ra no curso secundário, mas agora sofria a inferiori­dade que o agarrara com tanta intensidade ao ten­tar fazer o curso universitário. Aqui ele se viu entre pessoas com qualidade intelectual mais apurada que a dos de sua antiga escola. A frustração de não ser mais o primeiro aluno da classe, o medo de ser
tachado de aluno mediano e o desejo de estar em primeiro lugar na universidade causaram um con­flito tão cansativo que o rapaz ficou doente. Diz Hadfield sabiamente:
Quando enfrentamos nossos conflitos e de modo deliberado tomamos nossas decisões, ao dirigir todos os nossos esforços a um propósito grandioso, cheios de confiança e sem medo algum, nossa alma se restaura, cheia de harmonia e força.
Sempre imagino que o quadro que Jesus pintou com suas palavras —"Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas al­mas" (Mt 11:29) —, na verdade está falando do jugo que une o boi forte a um animal mais fraco, distreinado. O boi mais fraco contribui apenas com sua pouca força, como diríamos, mantendo-se no nível do boi mais forte. Este carrega o peso maior, na extremidade do jugo. É o responsável pelo sulco direito, em linha reta, e por atingir o outro lado do terreno. Se o boi mais fraco ficar puxando o arado para outra direção, a de sua escolha, o jugo lhe esfola o pescoço, e o peso se lhe torna grande demais. "Tomai sobre vós o meu jugo", diz-nos Jesus, "e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração. Não sejais desobedientes, presos a vossas próprias opiniões, orgulhosos e autoconfiantes, di­zendo: 'farei o que eu bem entender'. Se vós
fizerdes isso, fareis que o jugo fique esfolando vos­sos pescoços. Caminhai comigo, e o trabalho será fácil (é o verdadeiro sentido da palavra). A respon­sabilidade será tirada de vós, e o vosso peso se tor­nará leve". (Em sua vontade está a nossa paz.)
Quando adolescente, muitas vezes eu tirava férias numa fazenda na Charnwood Forest. Perto da fa­zenda havia uma enorme pedra na qual eu gostava de me sentar, principalmente no pôr-do-sol. Lá em­baixo, no sopé do morro íngrime, havia um reser­vatório d'água rodeado de juncos e arbustos. Ao lado, a imensidão das águas. Do outro lado um blo­co de granito imenso, vermelho, soerguendo-se acima do lago. No alto do rochedo viam-se uns pi­nheiros soberbos.
Sentei-me naquela rocha em todas as horas do dia. Posso fechar os olhos agora e recobrar a sensa­ção de tranqüilidade e de paz que me sobrevinha naquele lugar solitário. Quase posso ouvir o grito da gaivota ao sobrevoar as águas, o doce sussurro do vento, o murmúrio das águas caindo nas pedras de uma pequena praia em meio aos juncos.
Certo dia me sobreveio, quase como uma reve­lação, um pensamento que pode ser algo banal para você, que me atingiu a mente com a força da verdade. Não havia seres humanos, tampouco ha­bitação humana à vista. Tudo que eu enxergava cumpria totalmente e com perfeição a vontade de Deus. Concordo que ali a vontade do Senhor era cumprida mecanicamente, e que a vida campestre, selvagem, ao meu redor, não oferecia o peso de uma decisão. Mas eu parecia estar aprendendo o segredo da harmonia e da paz daquele lugar. Ali a vontade de Deus era executada com perfeição. Se pudéssemos executar a vontade de Deus voluntari­amente, como se faz na natureza de modo mecâni­co, acredito que encontraríamos a mesma sensação de paz. "Reconhece-o em todos os teus caminhos [como os pássaros fazem], e ele endireitará as tuas veredas."
Os poetas conseguem dizer essas coisas melhor do que nós. Permita-me concluir com uns versos do poeta William Cullen Bryant, que os escreveu quando contemplava um pássaro a voar — assim lhe pareceu — em direção do centro ao pôr-do-sol:

Até onde, por entre o orvalho que cai,
Enquanto rebrilham nos céus as últimas gotas do dia,
Ao longe, através de profundidades róseas,
Persegues teu caminho solitário?

Em vão o olho do caçador
Poderia marcar teu distante vôo, para fazer-te o mal,
Teu vulto recortado no céu cinzento
Flutua ao longe.

Procuras tu a beirada pantanosa
Do lago coberto de mato, a margem do rio extenso,
Ou as pedras no meio do oceano que aparecem e se
escondem
Segundo as marés, próximas à praia ?

Existe um Poder cujo cuidado
Te ensina o caminho ao longo dessa costa que não
mostra caminho algum
O ar deserto, ilimitado
Em que voas a sós, não porém perdido.

Partiste. O abismo do céu
Engoliu teu vulto. No entanto, em meu coração
Gravou-se a lição que me deste
De que tão cedo não me esquecerei.

Aquele que, de uma parte para outra,
Te guia pelo céu infinito em vôo certo,
No longo caminho que a sós devo trilhar
Também conduzirá meus passos com segurança.

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