quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cristianismo Equilibrado John R. W. Stott






Editora: CPAD



 
Conteúdo:


Unidade, Liberdade e Caridade

Minha preocupação é chamar a atenção para uma das grandes tragédias da cristandade contemporânea, que é especialmente visível no meio de todos nós que somos chamados (e, na verdade, é como nós nos chamamos) cristãos evangélicos. Numa única palavra: essa tragédia chama-se polarização. Serei mais específico sobre o que quero dizer.
O pano de fundo para a tragédia é a nossa substancial concordância no histórico cristianismo bíblico. Nossa união nos fundamentos da fé cristã é coisa grande e gloriosa. Cremos em Deus Pai, infinito e pessoal, santo, criador e sustentador do Universo. Cremos em Jesus Cristo, o único Deus-homem; em seu nascimento virginal , em sua vida encarnada, na autoridade do seu ensino, em sua morte expiatória, na sua ressurreição histórica, e em seu retorno pessoal á terra. Cremos no Espírito Santo por cuja inspiração especial as Escrituras foram escritas e por cuja graça pecadores são hoje justificados e nascidos de novo, transformados na imagem de Cristo, incorporados à Igreja e enviados para servir no mundo. Nestas e em outras grandes doutrinas bíblicas, permanecemos firmes pela graça de Deus, e permanecemos juntos.
Contudo, nós não somos unidos. Nós nos separamos uns dos outros por assuntos pouco importantes. Algumas das questões que nos dividem são teológicas; outras temperamentais. Teologicamente, por exemplo, podemos discordar na relação exata entre soberania divina e responsabilidade humana, na”ordem”  e ministério pastoral da igreja (se deve ser episcopal, presbiteriano ou independente) e até onde os crentes podem envolver-se numa “mistura” denominacional sem que se comprometam a si mesmos e a fé que  professam; nas relações Igreja-Estado; em quem está qualificado para ser  batizado e no volume de água a ser usado; em como interpretar profecia, em  quais dons espirituais estão disponíveis hoje e quais são os mais importantes.  Estas são algumas das questões nas quais crentes igualmente dedicados e  bíblicos discordam entre si. São questões que os reformadores chamam de  “adiaforia”, questões “indiferentes”. Desta forma, embora pretendemos  continuar defendendo nossa própria convicção das Escrituras, em  conformidade com a luz que nos tem sido dada, procuraremos não pressionar dogmaticamente a consciência de outros crentes, mas tratar a cada um com  liberdade, em amor e respeito mútuo. Não se pode fazer coisa melhor do que  mencionar o famoso epigrama atribuído a um certo Rupert Meldenius e citado  por Richard Baxter. Em coisas essenciais, unidade; nas não-essenciais, liberdade; em todas as coisas, caridade.
Estamos, também, separados uns dos outros temporariamente.
Esquecemo-nos , às vezes , que Deus ama a diversidade e tem criado uma rica  profusão de tipos humanos, temperamentos e personalidades. Além disso, o nosso temperamento tem mais influência na nossa teologia do que geralmente  imaginamos ou admitimos. Embora a nossa compreensão da verdade bíblica  dependa da iluminação do Espírito Santo, ela é inevitavelmente colorida pelo  tipo de pessoa que somos, pela época na qual vivemos e pela cultura a que  pertencemos. Alguns de nós, por disposição e formação, são mais intelectuais  que emocionais; outros, mais emocionais que intelectuais. Repetindo, a  disposição mental de muitos é conservadora (detestam mudanças e sentem-se  ameaçados), enquanto outros são, por natureza, rebeldes à tradição (o que eles detestam é monotonia, considerando mudança como algo próprio de sua natureza). Questões como estas surgem de diferenças temperamentais básicas.  Porém, não devemos permitir que o nosso temperamento nos controle. Pelo  contrário, devemos deixar que as Escrituras julguem nossas inclinações  naturais de temperamento. Caso contrário, acabaremos por perder o nosso  equilíbrio cristão.
O título deste ensaio é “Cristianismo Equilibrado”, pois uma das  maiores fraquezas que os cristãos (especialmente os evangélicos) manifestam  é a tendência para o extremismo ou desequilíbrio. Parece que não existe outro  passatempo de que Satanás mais goste do que o de tirar o equilíbrio dos  crentes. Embora eu não reivindique qualquer amizade pessoal com ele e nem  tampouco qualquer conhecimento íntimo da sua estratégia, suponho ser este  um dos seus hobbis favoritos.
Por “falta de equilíbrio”, entendemos o deleite que sentimos em habitar  em uma ou outra das regiões extremas da verdade. Se pudéssemos apoiar-nos  em ambos os pólos, simultaneamente, exibiríamos um saudável equilíbrio  bíblico. Em lugar disto, tendemos a “cair em extremos”. Como
Abraão e Ló,  nos separamos uns dos outros. Empurramos outras pessoas para um pólo,  enquanto que o pólo oposto é mantido como nossa propriedade.
Teologicamente falando, ninguém na história da igreja britânica nos  preveniu melhor deste perigo do que Charles Simeon, professor do King’s  College e pároco da igreja Holy Trinity, em Cambridge, no início do século  passado. Considere esta conversa imaginária com o apóstolo Paulo, que ele  incluiu numa carta para um amigo em 1825. “A verdade não está no meio e  nem no extremo, mas nos dois extremos. Aqui estão dois extremos:  calvinismo e armenianismo. - Paulo, como te situas em relação a eles? No  meio-termo intermediário? - Não. - Nos extremos? - Não. - Como então? -  Nos dois extremos: hoje eu sou um calvinista convicto: amanhã, um convicto  armeniano. - Bem, bem, Paulo, compreendo a tua esperteza: vai a Aristóteles  e aprende o meio termo intermediário!
Simeon continua: - “Mas, meu irmão, eu sou um desventurado. Primeiramente li Aristóteles e gostei muito; mas, desde que comecei a ler  Paulo, tenho captado algo de seus estranhos conceitos, oscilações (não  vacilações) de um pólo para o outro. Às vezes, sou um poderoso calvinista e,  outras, um débil armeniano. Desta forma, se extremos te deleitarem, sou a  pessoa certa para ti; lembra-te somente: não é para um extremo que devemos  ir, mas para ambos”- um adágio que Charles Smyth descreveu como “tão  naturalmente desconcertante para a mente inglesa”(Memoirs of the Life of the  Ver. Charles Simeon, editado por Willian Carus 1847, p. 600. Simeon and  Church Order por Charles Smyth, 1940, p. 185).
As palavras de Simeon são sabedoria para hoje. Sejam nossas polarizações basicamente teológicas ou temperamentais, devemos evitá-las.  Meu irmão, permita-me dar quatro exemplos da inutilidade de polarizações  desnecessárias, o que será feito nos capítulos seguintes.

INTELECTO E EMOÇÃO

O primeiro exemplo situa-se no campo do intelectual e do emocional.  Alguns crentes são tão friamente intelectuais que se questiona serem eles  mamíferos de sangue quente, para não dizer seres humanos, ao passo que  outros são tão emocionais que se deseja saber se são possuidores de uma  porção mínima de massa cinzenta. Eu me sinto constrangido a dizer que o mais perigoso dos dois extremos é o anteintelectualismo de depois a entrega ao emocionalismo. Vemos isto em algumas pregações evangelísticas, que não consistem em outra coisa senão em um apelo para decisão com pouquíssima, ou nenhuma pregação do evangelho e pouca, ou nenhuma, argumentação com o povo a respeito das Escrituras, à maneira dos apóstolos.
A mesma tendência é evidente na atual busca de experiências emocionais, vividas de primeira mão, e na exaltação da experiência como critério da verdade, ao passo que a verdade deveria ser sempre o critério da  experiência. O meu receio é que esta tendência seja um legado  semicristianizado do existencialismo secular. O que parece Ter filtrado na  consciência pública da famosa distinção de Martin Heidegger entre existência  “autêntica” e “inautêntica” é que devemos abandonar cada convenção e  disciplina e cada estilo de vida imposto que ameace a nossa autenticidade  pessoal.
Devemos, acima de tudo, escolher que seremos nós mesmos, pensando  e fazendo somente o que nos pareça ser autêntico no momento. À luz deste  princípio, tenho ouvido jovens crentes argumentando assim:
“Ninguém pode  esperar que eu creia numa doutrina só porque está nas Escrituras; só crerei se  a doutrina autenticar-se a mim como verdadeira. Você não pode esperar que  eu vá à igreja, que leia a Bíblia ou que ore só porque estes são deveres  cristãos; eu somente posso fazer estas coisas se sentir vontade. E eu não  posso, possivelmente,  amar o meu próximo (para não dizer o inimigo) só  porque sou ordenado a fazer isto, mas somente se o Espírito Santo produzir  um relacionamento de amor com o próximo, autêntico e real”.
Ao lado da corrente insistência na experiência existencial, segue uma  desconfiança, um menosprezo ou intelecto. A fuga da razão é um sinal  distintivo da vida secular contemporânea (pelo menos é assim nos Estados  Unidos). O professor Richar Hofstadter documentou isto muito bem em seu  livro “Anti-intelellectualism in American Life” (Antiintelectualismo na vida  americana) (Vintage, 1962). E um impressionante exemplo, recente, pode ser  encontrado em Joe McGinness, quando, sob o título “The Selling of the  President 1968” (A Venda do Presidente, 1968), ele relata a campanha  eleitoral de Richard Nixon, em 1968. Os organizadores da campanha ficaram  convencidos de que Nixon perdera a eleição para Kennedy, em 1960, porque  Kennedy tinha uma imagem televisiva bem melhor que a de Nixton. Então,  consultaram Marshall McLuham para orientá-los em como fazer com que Nixon se “projetasse eletronicamente”, e como transformá-lo de “um  advogado seco e sem graça” em um “ser humano afetuoso e animado”.  “Política”- o professor MacLuham assegurou-lhes - “é apenas uma ciência  racional”.
“Eleições”- insistiu - “não são ganhas na bancada eleitoral apresentada, mas nas imagens. “Faça os eleitores gostarem da cara do sujeito”  e a campanha está virtualmente ganha”.
Esta é, naturalmente, uma situação séria, quando uma nação desenvolvida é, então, levada a abdicar de sua responsabilidade política,  deixar de debater os assuntos do dia ou formar sua opinião e votar, não pelo  que os candidatos são, mas pelo que vulgarmente é chamado de reação  “instintiva” aos candidatos. Porém , este tipo de antiintelectualismo é muito  mais sério na igreja evangélica, pois a Palavra de Deus ensina que a nossa  razão é parte da imagem divina na qual Deus nos criou. Ele é o Deus racional que nos fez seres racionais e nos deu uma revelação racional. Negar nossa  racionalidade é, portanto, negar nossa humanidade, vindo a ser menos do que  seres humanos. As Escrituras proíbem que nos comportemos como cavalos e  mulas que são “sem entendimento”, e ao contrário, ordenam que sejamos “maduros” em nosso entendimento” Sl. 32:9, I Co. 14:20. De fato, a Bíblia  nos diz constantemente que cada área da vida cristã é dependente do uso  cristão de nossas mentes. Permita-me dar um exemplo: o exercício da fé.  Muitos acham a fé e inteiramente irracional. Mas as escrituras nunca  colocam fé e razão uma contra a outra, como sendo incompatíveis.
Pelo  contrário, fé somente pode nascer e crescer em nós pelo uso de nossas mentes:  “em ti confiarão os que conhecem o teu nome” (Sl 9:10); a confiança deles  brota do conhecimento da fidelidade do caráter de Deus. Novamente, em  Isaías 26:3: “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti,  porque ele confia em ti”. Aqui, confiar em Deus e manter a mente em Deus  são sinônimos e uma perfeita paz é o resultado.
À luz desta ênfase bíblica a respeito do lugar da mente na vida cristã, o  que é que devemos dizer para a geração moderna dos antiintelectuais, os  emocionais? Sinto muito ter de dizer que eles estão se autoproclamando  intensamente, como sendo crentes mundanos.
Pois “mundanismo” não é  apenas uma questão (como fui ensinado a acreditar) de fumar, beber e dançar,  nem tampouco aquela velha questão sobre embelezar-se, ir a cinemas, usar  minissaias, mas o espírito do século. Se absorvemos sem qualquer exame os  caprichos do mundo (neste caso, o existencialismo), sem que primeiro  sujeitemos isto a uma rigorosa avaliação bíblica, já nos tornamos crentes  mundanos.
“Temos como princípio fundamental”, disse Wesley para um dos seus  primeiros críticos, “que renunciar o uso da razão é renunciar à religião, que  “religião e razão seguem de mãos dadas” e que “toda religião irracional é  falsa religião”(citado por R.W. Burtner, R. E. Chiles em “A Compend of  Wesley’s Theology”, 1954, p. 26).
Sinto-me na obrigação de acrescentar, contudo, que se o antiintelectualismo é perigoso, a polarização oposta é quase igualmente perigosa. Um hiperintelectualismo árido e sem vida, uma preocupação exclusiva com ortodoxia não é cristianismo do Novo Testamento. Não há dúvida de que os crentes primitivos eram profundamente motivados pela experiência de Jesus Cristo. Se o apóstolo Paulo pode escrever sobre a “excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”, e o apóstolo Pedro pode dizer que os crentes “alegram-se com gozo inefável e glorioso” (Fp. 3:8; I Pedro 1:8), ninguém pode facilmente acusá-los de tristonhos ou insensíveis.
A verdade é que Deus nos fez criaturas, tanto emocionais, como racionais. Não somos apenas mamíferos de sangue quente, mas seres humanos, capazes de sentimentos profundos de amor e de ira, de compaixão e  de temor. Escrevo sobre isto com convicção pessoal, pois, de alguma forma,  diverge da educação que recebi em escola particular da Inglaterra. Não tenho  a menor intenção de morder a mão que me alimentou, pois reconheço o  quanto devo aos privilégios educacionais que me foram concedidos. Contudo,  sinto-me crítico daquela característica distintiva da tradição da escola  particular, conhecida como “o lábio superior rígido”.
Visto que o primeiro sinal externo de profunda emoção interna é geralmente o tremor do lábio superior, mantê-lo rígido é reprimir as emoções  e cultivar as virtudes (mais masculino que feminino, mais anglo-saxão que  latino) de coragem, vigor e autocontrole. O que não poderia acontecer era um  rapaz chorar em público; choramingo era reservado às moças e crianças.  Desde aqueles dias de pré-guerra, contudo, tenho lido o Novo Testamento  muitas vezes e descoberto que Jesus não teve o acanhamento de demonstrar  suas emoções. Em duas ocasiões diferentes somos informados de que Ele, na  realidade, caiu em prantos em público, primeiro ao lado do túmulo de um  amigo e, depois, na impenitente Jerusalém. Neste caso, então, Jesus não foi  educado no mesmo sistema, da escola particular britânica!
Se é um perigo negar nosso intelecto, é um perigo também negar nossas  emoções. Mesmo assim, é o que muitos de nós estamos fazendo.
Alvin Toffer  escreve sobre alguns jovens americanos que estão exibindo os sintomas do  que ele chama de “choque do futuro”. Ele se refere a uma pequena aldeia  marítima em Creta, cujas 40 ou 50 cavernas estão ocupadas por “trogloditas  americanos, desertores”: rapazes e moças que, na maior parte, desistiram de  fazer qualquer esforço maior para enfrentar a alta velocidade explosiva das  complexidades da vida. Um repórter visitou-os em 1968 e comunicou-lhes a  notícia do assassinato de Robert F. Kennedy. Resposta: silêncio: “Nenhum  choque, nenhuma emoção, nenhuma lágrima!” É este o novo fenômeno:  Desertores dos Estados Unidos e desertores das emoções. Eu compreendo o não-envolvimento, o desencanto e, mesmo o não-comprometimento. Porém, para onde foi todo o sentimento?” (Future Shock, Pan Books 1971, p.331).
Pamela Hansford Johnson, que fez a reportagem dos horrores sádicos  dos assassinatos dos “Moors”, escreveu que assassinos por lucro ou  gratificação são quase sempre destituídos daquilo que os psicólogos chamam  de “comoção” - capacidade de penetrar nos sentimentos dos outros; e  continuou dizendo: “corremos o risco de criar uma sociedade sem qualquer  comoção, na qual ninguém se preocupe com o ouro, senão consigo mesmo, ou  com outra coisa que não auto-satisfaça instantâneamente.
Procuramos sexo sem  amor, violência por “prazer”. Estamos encorajando o entorpecimento da sensibilidade...” (On Iniquity, McMillan 1967, pp. 18 e 24).
Uma das causas da insensibilidade da nossa sociedade é a televisão,  pois ela traz para os nossos lares, numa seqüência que nunca pára, cenas de  violência, brutalidade e tragédia que assaltam tão poderosamente nossas  emoções de maneira tal que não conseguimos suportar. Fazemos, então, duas  coisas: ou nos levantamos e desligamos o aparelho, ou fazemos pior:  permitimos que a imagem continue a brilhar na tela, mas desligamos o nosso  interior do que está sendo mostrado.
Continuamos assistindo, mas sem nos  envolver emocionalmente.
Talvez eu possa dar um exemplo pessoal, desta vez não a respeito da  televisão, mas de um concerto da peça “O Messias”, de Handel, no Royal  Albert Hall. Quando o concerto atingiu seu clímax com o coro Aleluia, com a  afirmações majestosas de que “o Senhor Deus onipotente reina... Rei dos reis  e Senhor dos senhores” e com o “Amém “final, confesso que fiquei  profundamente comovido. Quando os músicos pararam, a audiência explodiu  num estrondo de aplausos, que foi uma maneira perfeitamente apropriada de  expressar sua apreciação pelo maestro, coro, orquestra e solistas. Mas, então,  à medida que os aplausos se extinguiam, todos começaram a pegar seus  chapéus e casacos, a rir, a conversar e a empurrarem-se ao se dirigirem para  as portas de saída.
Será presunção minha dizer que eu não podia mover-me?  Eu tinha sido transportado para o Céu, para a eternidade, para a presença do  próprio grande Rei. Não foi suficiente para mim aplaudir os músicos; eu quis curvar a cabeça e adorar a Deus. Sou eu estranho ao reagir com tão profunda  emoção religiosa? Ou será que estou certo ao perguntar o que estão as pessoas  fazendo com suas emoções a ponto de ouvir um concerto ou ir a um culto e  permanecer insensíveis? Eu não estou questionando por emocionalismo, pois  é uma exibição artificial, uma pretensão espúria. Mas emoções, sentimentos  genuínos surgidos legitimamente que devem ser expressados, e não  sufocados.
Qual, então, a verdadeira relação entre o intelecto e a emoção?
Muhammed Iqbal, o jurisconsulto e poeta, que se tornou presidente da Liga  Muçulmana, que preparou o caminho para um Paquistão independente e que  trabalhou por um novo entendimento entre o Oriente e o Ocidente, escreveu  em um dos seus poemas:
“No Ocidente, intelectos é a fonte da vida.
No Oriente, amor é a base da vida.”
Através do amor, intelecto cresce familiarizado com a realidade.

“Intelecto dá estabilidade ao trabalho do amor.
Levantai e lançai os fundamentos de um novo mundo.
Enlaçando intelecto ao amor”.

Isto está perfeitamente certo. Porém, o intelecto não é prerrogativa do  Ocidente, nem o amor (ou emoção), do Oriente. Algumas nações ou raças  podem verdadeiramente ter mais de intelecto e outras mais de emoção, mas  intelecto e emoção não podem estar restritos a alguns temperamentos ou  algumas culturas, pois ambos são parte de toda a humanidade que Deus criou.  Ambos - intelecto e emoção - pertencem à autêntica experiência humana.
Em particular, nada coloca o coração tão em fogo como a verdade.
A verdade não é fria e seca. Pelo contrário, é cheia de calor e paixão, e em  qualquer que seja o momento em que novas perspectivas da verdade de Deus  surgem diante de nós, não podemos ser apenas contemplativos.
Somos  movidos a responder, seja em penitência, ira, amor, ou adoração.
Pense nos  dois discípulos a caminho de Emaús; na primeira páscoa, á tarde, quando o  Senhor ressuscitado falava com eles. Quando Ele desapareceu, eles disseram  um para o outro: “Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo  caminho, nos falava e quando nos abria as Escrituras?”(Lc. 24:32). Eles  tiveram uma experiência  emocional durante toda a tarde. Por isso,  descreveram a sensação que tiveram como um coração ardente. E qual foi a  causa do ardor espiritual? Foi Cristo, abrindo-lhes as Escrituras!
É o mesmo hoje. Sempre que lemos as Escrituras e Cristo as abre para  nós, para que captemos verdades novas, nossos corações devem arder dentro  de nós. Como F.W. Faber disse: “Teologia profunda é a melhor lenha para a  devoção, pega fogo, que é uma beleza e, uma vez acesa, queima por muito  tempo”(citado por Ralph G. Turnbull, em A Minister’s Obstacles, 1946,  Baker 1972, p. 97).
Esta combinação verdadeira de intelecto e emoção deveria ser visível,  tanto na pregação como na compreensão da Palavra de Deus.
Ninguém  expressou isto melhor do que o Dr. Martyn Lloyd Jones, que bem define o  que é pregação: “Lógica em fogo! Razão eloqüente! São contradições? ?Claro  que não! Razão acerca da verdade tem de ser poderosamente eloqüente, como  você pode verificar no caso do apóstolo Paulo e de outros. É teologia em  fogo. E uma teologia que não traz fogo (eu afirmo), é uma teologia  defeituosa. Pregação é teologia vinda através de um homem em  fogo” (Preaching and Preachers, Hodder & Stoughton 1971, p. 97).

TRADIÇÃO E LIBERDADE

A Segunda polarização desnecessária na igreja contemporânea  refere-se a “conservadores” e “radicais”. Devemos começar pela definição  dos termos. Por “conservador” estamo-nos referindo às pessoas que estão  determinadas a conservar ou preservar o passado e são, por isso, resistentes a  mudanças. Por “radical” referimo-nos às pessoas que estão em rebelião contra  o que é herdado do passado e estão, por isso, fazendo agitações por mudanças.
Deixai-me, agora, definir mais precisamente em que sentido cada crente  deveria ser um conservador e um radical, ao mesmo tempo: Cada crente  deveria ser conservador porque toda a Igreja é chamada por Deus para  conservar sua revelação, para “guardar o depósito” (I Tm. 6:20; II Tm 1:14),  para “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos”, Jd 3. A tarefa da  Igreja não é continuar inventando novos evangelhos, novas teologias, novas  moralidades e novos cristianismos, mas, antes, ser uma guardiã fiel do único  Evangelho eterno, pois a auto-revelação de Deus alcançou sua consumação no  seu Filho Jesus Cristo e no testemunho apostólico de Cristo, preservado no  Novo Testamento. Isto não pode ser alterado de forma alguma: É imutável em  verdade e autoridade.
Os quatro autores do livro “Growing into Union” (Crescendo em União)  expressaram este ponto com vigor: “A primeira tarefa da Igreja é manter as  boas-novas intactas. É melhor falar do hábito mental que esta vocação requer  como “conservacionista” do que como “conservador”, pois a Segunda palavra  pode facilmente sugerir uma tendência antiquária: por ser antigo, por ser  velho, e uma resistência cega ao pensamento novo, e não é absolutamente a  respeito disso que estamos falando.
Antiquarianismo e obscurantismo são  vícios da mente cristã, mas conservadorismo está entre as suas virtudes”  (SPCK 1970, p. 103).
Alguns crentes, contudo, não limitam o conservantismo deles à teologia  bíblica que professam. O fato é que são conservadores por natureza. Eles são  conservadores na política e na perspectiva social, no estilo de vida, no estilo  de vestir, no estilo de cortar o cabelo, no estilo da barba, em qualquer outro  tipo de estilo que se mencione.
Não estão apenas atolados na lama, a lama  deles endureceu como concreto. Mudança de qualquer tipo é anátema para  eles. São como o duque inglês, o qual teria dito durante seus dias de estudante  na Universidade de Cambridge: “Qualquer mudança , em qualquer tempo e  por qualquer razão, deve ser deplorada!” O slogan favorito é: “Como foi no princípio, é agora e será para sempre. Amém!”
Um “radical”, por outro lado, é alguém que faz perguntas grosseiras  sobre as tradições estabelecidas. Ele não considera qualquer tradição,  qualquer convenção e qualquer instituição (ainda que antiga) como sendo  sacrossanta. Ele não reverencia “vaca sagrada” alguma. Pelo contrário, está  preparado para submeter qualquer coisa herdada do passado ao escrutínio  crítico. E seu escrutínio geralmente leva-o a querer reformas, até mesmo  revolução (embora, sendo um crente, opte pela não-violência).
Um radical reconhece a rapidez com que a cena do mundo está mudando hoje. Ele não se sente ameaçado por isto, nem é seu primeiro instinto comportar-se como o rei Canute e tentar prender a mudança da maré  crescente. Alvin Toffer define “choque do futuro”, a expressão que ele  inventou, como paralelo a “choque cultural”, nestes termos: “choque do  futuro é a desorientação vertiginosa produzida pela chegada prematura do  futuro. Pode bem ser a mais importante moléstia de amanhã...” (p.19). Mas o  radical não fica chocado com isto. Sabendo que mudanças são inevitáveis, ele  dá-lhes as boas-vindas e se ajusta para a chegada de qualquer mudança. E até  mesmo a inicia.
Parece então à primeira vista, que conservadores e radicais estão em  oposição e que não podemos fazer outra coisa senão polarizar nesta questão.  Mas não é bem assim. Não é bem entendido que nosso Senhor Jesus Cristo foi  conciliatoriamente um conservador e um radical, embora em esferas  diferentes. Não existe a menor dúvida de que ele foi um conservador em sua  atitude para com as Escrituras. As Escrituras não podem ser anuladas, “nem  um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”, (Jo. 10:17;  Mt. 5:17,18). Uma das principais queixas de Jesus contra os líderes judeus da  sua época referia-se ao desrespeito por parte deles pelas Escrituras do Velho  Testamento e à falta de uma verdadeira submissão à sua autoridade divina.
Mas Jesus pode também ser verdadeiramente descrito como um radical.  Ele foi um crítico mordaz e destemido do tradicionalismo judeu, não somente  devido à insuficiente lealdade que havia para com a Palavra de Deus, mas,  também, devido à lealdade exagerada às próprias tradições humanas. Jesus  teve a temeridade de lançar fora séculos de tradições que tinham sido  herdadas, “as tradições dos anciãos”, para que a Palavra de Deus pudesse ser  apreciada e novamente obedecida. (Mc. 7:1-13). Ele foi, também, muito  ousado nas violações das convenções sociais. Insistiu em preocupar-se com  todas as áreas da comunidade que eram normalmente menosprezadas: falou  com mulheres em público, o que não era aceito nos seus dias, convidou crianças para que viessem a Ele, embora na sociedade romana crianças rejeitadas fossem geralmente “abandonadas” ou deixadas ao relento, o que  levou os discípulos a acharem que ele não gostaria de ser incomodado por  elas. Ele permitiu que prostitutas o tocassem (os fariseus afastavam-se delas horrorizados) e Ele mesmo, na realidade, tocou num leproso intocável (os fariseus apedrejavam-nos para que fossem mantidos à distância). Destas e de  outras maneiras, Jesus recusou-se a ser preso por costumes humanos: sua  mente e consciência estavam presas unicamente à Palavra de Deus.
Por  conseguinte, Jesus foi uma combinação única do conservador e do radical:  conservador em relação às Escrituras, e radical no eu escrutínio (seu  escrutínio bíblico) de todas as outras coisas.
Ora, o discípulo não está acima do seu mestre, como Jesus freqüentemente dizia. Portanto, se Jesus pode combinar conservadorismo e radicalismo, assim podemos nós, que afirmamos segui-lo. Verdadeiramente, devemos fazê-lo, se formos leais a Ele. Há uma necessidade urgente para que mais “C Rs “surgem na Igreja; agora, não mais representando as iniciais para  católicos romanos, mas para conservadores radicais. É uma necessidade que  cristãos evangélicos desenvolvam um discernimento mais crítico entre o que  não é possível ser modificado e o que pode, e mesmo deve ser.
Deixai-me dar um exemplo do que não é possível ser modificado:
Era  costume, nos dias passados, ter o Pai Nosso, os Dez Mandamentos e o Credo  dos Apóstolos pintados na parede leste de muitas igrejas inglesas, para ser  visto e lido por todos. Na igreja de uma vila, as letras tinham ficado  desbotadas e um pintor desenhista foi contratado para retocá-las. Na ocasião  oportuna (assim a estória é contada), o conselho da igreja ficou alarmado com  a conta que lhe foi apresentada.
Acontecendo isso antes da implantação do  sistema decimal, a conta foi lida como segue:
Pela reparação do Pai Nosso 10 s.
Pelos três Mandamentos novos 12s.
Por ter feito um Credo completamente novo 17s 6d.
Por outro lado, embora tenhamos autoridade para alterar o Credo ou os  Mandamentos que Deus tem revelado, todavia (como Leighton Ford disse  corretamente, em 1959, no Congresso Americano sobre Evangelismo, em  Minneápolis) “Deus não está preso ao inglês do século dezessete, nem aos  hinos do século dezoito, nem á arquitetura do século dezenove, nem aos  clichês do século vinte”, nem (alguém pode adicionar) a muitas outras coisas.  Embora Ele mesmo nunca mude, nem tampouco sua revelação, Ele é,  também, o Deus que age, chamando sempre o seu povo para empreendimentos novos e venturosos.
Mais particularmente, todos nós necessitamos discernir com clareza  entre Escrituras e cultura. As Escrituras são a Palavra de Deus eterna e  imutável, mas cultura é uma mistura de tradição eclesiástica, convenção social  e criatividade artística. Seja qual for a “autoridade” que a cultura possa ter, ela  é derivada da Igreja e da comunidade, não podendo exigir uma imunidade ao  cristianismo ou reforma. Pelo contrário, cultura muda de época para época e  de lugar para lugar. Além do mais, nós crentes, que dizemos desejar viver sob  a autoridade da Palavra de Deus, deveríamos submeter nossa cultura  contemporânea a um contínuo escrutínio bíblico. Longe de ressentirmo-nos  com a mudança cultural ou de resistirmos a ela, deveríamos estar na linha de  frente, junto aqueles que trabalham por uma modificação progressiva, para  fazer com que a mudança realmente expresse, cada vez mais, a dignidade do homem e seja mais agradável ao Deus que os criou. Numa recente visita aos Estados Unidos, fiquei impressionado com um grupo  de estudantes que encontrei em Trinity Evangelical Divinity Shooll, em  Deerfield, llinois. Eles pertenciam aos mais diversos grupos, mas achavam-se unidos no compromisso para com o cristianismo bíblico, no desencanto  com muito do cristianismo americano contemporâneo e na determinação de descobrir uma aplicação radical do cristianismo bíblico aos grandes assuntos  do dia. De modo que eles se reuniam num grupo de estudo e oração, do qual  surgiu a coligação Cristã do Povo (The People’s Christian Coalition), cujo  órgão oficial é o “The Post-American”. O primeiro número publicado em  fevereiro de 1971 tinha uma representação do Senhor Jesus na primeira folha,  coroado com espinhos, manietado e envolto com as estrelas e listas da  bandeira americana. Muitos pensaram que o retrato fazia paralelo com a  blasfêmia. Mas eu não compartilhei com a mesma reação. Pelo contrário,  achei que foi uma expressão genuína que eles tinham pela honra de Cristo.  Jim Wallis publicou no seu editorial: “A ofensa da religião estabelecida é a  proclamação e a prática de uma caricatura de cristianismo inculturado,  domesticado e sem vida, que nossa geração fácil e naturalmente rejeita. Nós  achamos que a igreja americana está cativa dos valores e estilo de vida da nossa cultura. O cativeiro da igreja americana tem resultado na desastrosa  equação: a maneira americana de vida somada à maneira cristã de vida”.
Exatamente o mesmo poderia ser dito da expressão cultural do cristianismo em outras partes do mundo. Este é um dos principais problemas  em muitas igrejas do Terceiro Mundo, que foram estabelecidas por missões da  Europa e da América do Norte, e estão agora procurando suas próprias  identidades indígenas. Estas igrejas confrontam-se com dois problemas  culturais. O primeiro diz respeito à cultura nativa ou tribal, talvez  especialmente na África. Os líderes nacionais reconhecem que alguns  costumes africanos tradicionais refletem a origem pagã e são incompatíveis  com a fé, amor e justiça cristã. O segundo problema diz respeito à cultura  estrangeira (seja européia ou americana) que, muito freqüentemente, foi  importada para o Terceiro Mundo com o Evangelho. É, em parte, porque esta  invasão cultural tem parecido para muitos como uma afronta à própria  dignidade nacional, é que muitos deles chegaram ao “fora com a religião do  homem branco”. Naturalmente, o clamor está errado. Cristianismo não  pertence ao homem branco e, nem  tampouco, a qualquer outro grupo de  homens. Jesus Cristo é Senhor de todas as raças, países e épocas, sem  qualquer discriminação. Contudo, é certo para os africanos, asiáticos e latinos  americanos procurar desenvolver suas próprias expressões indígenas da  verdade cristã. Nesse sentido, o Dr. René Padilha fez um apelo eloqüente no  Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial, em Lausanne, em  julho de 1974, quando atacou o que chamou de “cristianismo cultural”.
Por conseguinte, líderes cristãos de igrejas jovens necessitam de grande  sabedoria para discernir não apenas entre cultura nacional e cultura  importada, mas, também, entre o que em ambas as culturas é honrável a  Cristo e o que não é; o que tem valor e o que não tem. Eles precisam, também,  coragem para reter uma coisa e rejeitar a outra.
O cristianismo europeu cujas raízes alcançam, aproximadamente, 2000  anos, está, também, profundamente enraizado na cultura dos séculos. Não é  sem sentido que podemos falar sobre luteranismo, anglicanismo,  presbiterianismo, metodismo e, mesmo, irmanismo. Cada um deles é uma  forma tradicional ou cultural do cristianismo histórico que colore não somente  nossos formulários doutrinários, mas nossa liturgia (ou falta de liturgia) e  música; o formato e a decoração dos nossos templos, nossos métodos  pastorais e evangelísticos, e tudo o que fazemos como igreja. Tudo isto deve  ser submetido à investigação bíblica regular e crítica.
Portanto, quando resistimos a mudanças - sejam elas na igreja ou na  sociedade devemos perguntar-nos se são, na realidade, as Escrituras que estamos defendendo (como é nosso costume insistir ardorosamente) ou, se ao  contrário, é alguma tradição apreciada pelos anciãos eclesiásticos ou de nossa  herança cultural. Isto não quer dizer que todas as tradições, simplesmente por  serem tradicionais, devam a qualquer custo ser lançadas fora. Iconoclasmo  sem crítica é tão estúpido quanto conservantismo em crítica, e é algumas  vezes mais perigoso. O que eu estou enfatizando é que nenhuma tradição  pode ser investida com uma espécie de imunidade diplomática à examinação.  Nenhum privilégio especial pode ser-lhe reivindicado.
Quando, por outro lado, clamamos por mudanças, devemos estar certos  de que não é contra as Escrituras que estamos nos rebelando, mas contra  alguma tradição não-bíblica, que é portanto, aberta à reforma.
Se é “não-bíblica” no sentido de ser claramente contrária às Escrituras, então devemos  atacar o assunto corajosamente e trabalhar muito para sua abolição. Se é “não- bíblica” no sentido de não ser requerida pelas Escrituras, então devemos  mantê-la sob revisão crítica.
Mas freqüentemente do que a maioria de nós sabe ou procura admitir,  nós revestimos nossas idéias e costumes culturais com uma autoridade,  verdade e imutabilidade que somente pertencem às Escrituras. Mas são parte  da nossa segurança. Quando são ameaçados, nós nos sentimos ameaçados  também. Assim, evitamos qualquer risco e lutamos vigorosamente para  defender essas coisas, às quais nos agarramos.
Outras vezes, nós nos posicionamos por demais fracamente em relação  às Escrituras e tratamos a Palavra de Deus como se pudéssemos colocá-la de  lado tão facilmente quanto o fazemos com as opiniões e tradições humanas.  Por conseguinte, provamos que somos cristãos mundanos, que têm a tal ponto  absorvido a onda antiautoritária do mundo que nem mesmo estamos  preparados para viver sob a autoridade de Deus e de Sua Palavra, pela qual  ele governa o seu povo.
Os crentes contemporâneos são chamados para andar nesta corda apertada. Nós não devemos resistir às mudanças totais. Além disso, mesmo em questões abertas à mudança, devido à liberdade dada pelas Escrituras, não  devemos ser inconoclastas. Crentes que crêem no deus da história e na  atividade do Espírito Santo no decorrer da história da Igreja, não podem  deleitar-se com mudanças, simplesmente por mudar. Algumas vezes, como  Jesus disse, “melhor é o velho “ (Lc. 5:39), porque tem agüentado a prova do  tempo. Devemos, também, ser sensíveis ao conservantismo dos crentes de  gerações mais antigas; eles não puderam adaptar-se com facilidade a  mudanças, mas foram mais facilmente feridos e perturbados por isso. Somos  chamados para um sábio discernimento; instruídos por uma perspectiva  bíblica, para que sejamos apreciadores do legado do passado e responsáveis  pela disposição do presente. Somente então poderemos aplicar para toda a  cultura (na Igreja e na sociedade) um cristianismo bíblico radical e procurar o  que nós cremos que poderia ser mudado para melhor, sob a orientação de  Deus.
Os nossos reformadores da igreja da Inglaterra do século dezesseis  entenderam bem este princípio, pelo menos na sua aplicação à reforma  eclesiástica. Na pequena impressão do Livro de Oração comum há um  prefácio intitulado “Das Cerimônias”, que explica porque algumas são abolidas e outras retidas. Isto foi incluído no primeiro Livro de Oração reformado de 1549, que foi provavelmente composto pelo próprio arcebispo Crammer. Ele considera que, “neste nosso tempo, as mentes dos homens são tão diferentes que alguns pensam que é um grande problema de consciência abandonar, por menor que seja, as cerimônias, pois eles estão presos aos costumes antigos, mas, por outro lado, alguns são tão modernos que inovariam todas as coisas e, assim, desprezariam as antigas, de maneira que  somente o que é novo lhes é favorável’. Similarmente ao prefácio, que explica  os princípios que regeram a revisão do “Livro de Oração” em 1662, começa:  “Tem sido sábia por parte da igreja da Inglaterra, desde a primeira  compilação da Liturgia Pública, manter um equilíbrio entre os dois extremos,  de rigidez demasiada em recusar, e de facilidade demasiada em admitir,  qualquer alteração disto. “Possa Deus dar-nos esta mesma sabedoria hoje e,  também, dar-nos a coragem de aplicá-la não somente para os assuntos  eclesiásticos, mas também nos assuntos sociais, éticos e políticos!
Talvez eu poderia expressar-me em termos biológicos para dizer que  nós necessitamos de moscas varejistas cristãs para aferroar-nos e impelir-nos  a agir em busca de mudanças e, também de cães de guarda cristãos que  latirão, alta e longamente, se mostramos qualquer sinal de comprometimento  da verdade bíblica. Nenhum dos dois, moscas varejistas e cães de guarda, são  companhias fáceis de se conviver com eles, nem tampouco acham eles a  companhia um do outro compatível. Contudo, as moscas varejistas não devem  picar os cães de guarda, nem devem os cães de guarda comer as moscas  varejistas. Eles devem aprender a coexistir na Igreja de Deus e a executarem  seus papéis ao concentrar a atenção em nós, a maioria do povo de Deus, que,  desesperadamente, necessitamos do ministério de ambos.
Tendo advertido sobre os perigos de mudanças demasiadas ou de nenhuma, concluo este capítulo dizendo que o perigo maior (pelo menos entre  os evangélicos) é confundir cultura com Escrituras, ser conservador e  tradicionalista demais, estar cego a todas as coisas, na Igreja e na sociedade,  que desagradam a Deus e que deveriam, portanto, desagradar-nos, ter os pés  enterrados no status quo e resistir firmemente à mais desconfortável de todas  as experiências: MUDANÇAS.

EVANGELISMO E AÇÃO SOCIAL

Eu mudo, agora, da polarização entre o conservador e o radical, para a  do estruturado e o não-estruturado. As estruturas seculares estão  desmoronando em todos os lugares. Há uma rebelião mundial contra formas  institucionais rígidas e um sentimento universal à procura de liberdade e  flexibilidade. A igreja cristã, considerada em muitas parte do mundo como  uma das principais estruturas do tradicionalismo, não pode escapar a este  desafio de nossos tempos. Além disso, o desafio vem tanto de dentro como de  fora. Muitos jovens crentes estão requerendo um novo e não-estruturado tipo  de cristianismo, despojado dos obstáculos eclesiásticos que tem sido herdados  do passado.
Permita-me classificar as três expressões principais desta onda.
Referem-se à igreja e seu ministério, à direção de cultos públicos, e ao  relacionamento com os outros crentes. É perigoso generalizar.
Todavia,  alguém pode dizer, em primeiro lugar, que muitos estão procurando igrejas  que não tenham cerimônia fixa. Grupos de crentes estão, agora, libertando-se  em muitas partes do mundo, libertando-se da tradição e fazendo as coisas à  sua maneira.
Em segundo lugar, há um desejo por cultos informais, nos quais  o ministro não mais domina, mas onde a participação da congregação é  incentivada, onde o órgão é substituído pelo violão e uma liturgia antiga, pela  linguagem de hoje, onde há mais liberdade e menos formalidade, mais  espontaneidade e menos rigidez.
Em terceiro lugar, há uma rejeição de  denominacionalismo e uma nova ênfase bastante corrente em cortar os laços  que os prendem ao passado e mesmo a outras igrejas do presente. Eles querem  chamar-se “crentes” mas sem qualquer rótulo denominacional.
Sem dúvida, estas três exigências tem alguma lógica. Elas são fortemente sentidas e poderosamente manifestadas. Não podemos simplesmente considerá-las como irresponsabilidades loucas do jovem. Há uma ampla busca para o livre , o flexível, o espontâneo, o não-estruturado. A  geração dos crentes mais velhos e tradicionais precisa entender isso, ser  solidária e acompanhar, na medida do possível, o que está acontecendo.  Todos nós concordamos em que o Espírito Santo pode ser (e às vezes tem  sido) aprisionado em nossas estruturas e sufocado por nossas formalidades.  Contudo, há algo a ser dito em relação ao outro extremo. Liberdade não é  sinônimo de anarquia.
Que argumento pode ser apresentado, então, em favor  de alguns tipos de cerimônias e estruturas?
Primeiro: uma igreja estruturada. Os crentes pertencem a diferentes  origens denominacionais e apreciam tradições diferentes.
Contudo, a maioria  (talvez todos nós) concorda em que o Fundador da Igreja tencionou que ela  tivesse uma estrutura visível.
Verdadeiramente, a Igreja tem o seu aspecto  invisível, em que somente, “o Senhor conhece os que são seus”, (II Tm. 2:19).  Mas não podemos refugiar-nos na doutrina da invisibilidade da Igreja  verdadeira para negar que Jesus Cristo tinha em mente que seu povo fosse  visto e conhecido como tal. Ele mesmo insistiu no batismo como a cerimônia  de iniciação na sua Igreja, e batismo é um ato visível e público. Ele também  instituiu sua ceia como a refeição da comunhão cristã, pela qual a Igreja  identifica a si mesma e exercita disciplina sobre os membros.
Além disto, Ele  consagrou pastores para alimentar o seu rebanho.
Portanto, sempre que você  tiver batismo, a ceia do Senhor e um pastorado, ou, em termos tradicionais,  um ministério e ordenanças, você tem estrutura. Pode ser que seja mais  simples e mais flexível do que em muitas denominações históricas, mas  continua uma estrutura clara e definida. De mais a mais, seu valor pode ser  fortemente discutido em termos de Ter-se um ministério e ordenanças que  sejam reciprocamente reconhecidos pelas diferentes igrejas.
Segundo: adoração formal. Em particular, sou completamente a favor  da adoração espontânea, exuberante, alegre e barulhenta do jovem, ainda que,  algumas vezes, possa ser doloroso, como experimentei uma vez, em Beirute,  quando o meu ouvido direito estava a apenas algumas polegadas do trombone.  Alguns de nossos cultos são por demais formais, sérios e maçantes. Ao  mesmo tempo, em algumas reuniões modernas, a quase total noção de  reverência perturba-me. Parece que alguns acham que a principal evidência da  presença do Espírito Santo é o barulho.
Temos nos esquecido de que uma  pomba é tanto um emblema do Espírito quanto o vento e o fogo? Quando Ele  visita o seu povo em poder, às vezes, traz quietude, silêncio, reverência e  temor. Sua voz mansa e delicada é ouvida. Homens curvam-se maravilhados  diante da majestade do Deus vivo e o adoram: “O Senhor está no seu santo  templo; cale-se diante dele toda a terra!”. Eu não estou sugerindo que  reverência e formalidades sigam sempre juntas, pois reuniões informais  podem também ser reverentes, ao passo que cultos formais podem ter  seriedade e beleza sem ter uma verdadeira reverência espiritual. Mas onde  seriedade e reverência são encontradas em conjunto, a adoração oferecida é bastante agradável a Deus.
Terceiro: um princípio de conexão. A maioria de nós desejaria insistir em, pelo menos, um certo grau de independência para a igreja local que, em  conformidade com o Novo Testamento, é uma manifestação local e visível da  Igreja universal. E a igreja local (não apenas a igreja universal), é chamada o  templo de Deus e o corpo de Cristo: a igreja local: (I Co. 3:16; 12:27 ) e a  igreja universal: (Ef. 2:19-22; 4:14-16). Contudo, é possível levar este  princípio da autonomia da igreja local longe demais e, virtualmente, ignorar  todos os crentes do passado e do presente. Quando isto acontece, a igreja local  tem-se tornado tão auto-suficiente que menospreza a Igreja de Deus no tempo  e no espaço. Precisamos, portanto, lembrar-nos de certas verdades bíblicas que o povo cristão (especialmente o jovem) tende a esquecer. Estão eles interessados somente no presente? Estão eles, a geração de agora, fazendo eco  ao famoso dito de Henry Ford que “história – discurso insincero”? Às vezes  parece que sim. Mas, em que tipo de Deus crêem eles? Pois o Deus da Bíblia  é o Deus da história, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, de Moisés e dos  profetas, dos apóstolos e da Igreja apostólica, que cumpre seus propósitos  através dos séculos. Se Deus é o Senhor da história, como podemos nós  ignorá-la ou não nos interessar por ela? Ele é, também, o Deus de toda a  igreja. A unidade da Igreja é derivada da unidade de Deus. E porque há um só  Pai, há uma só família, e um só Senhor, há uma só fé, uma só esperança e um  só batismo; e porque há um só Espírito, há somente um corpo: (Ef. 4:4-6).  Portanto, toda a questão do relacionamento com outros crentes é controversa e complicada, e certamente as Escrituras não nos dão autoridade para procurar  ou assegurar unidade sem verdade. Mas não nos dá, tampouco, autoridade para buscar a verdade sem unidade.  Independência é conveniente. Mas  também o é a comunhão na fé comum que professamos.
Mais uma vez meu argumento é que não polarizemos nesta questão.
Há  um lugar necessário na Igreja de Cristo, tanto para o estruturado como para o  não-estruturado, tanto para o formal como para o informal, tanto para o sério  como para o espontâneo, tanto para a independência como para a comunhão.
A igreja primitiva apresenta-nos um exemplo saudável neste assunto.  Lemos que imediatamente depois do dia de Pentecostes, os crentes cheios do  Espírito Santo estavam “unânimes todos os dias no Templo, partindo o pão  em casa”, (At. 2:46). Assim, eles não rejeitaram imediatamente a igreja  institucional. Eles procuraram reformá-la em conformidade com o Evangelho.  E eles simplesmente complementavam as reuniões formais de oração do  Templo com reuniões em suas próprias casas. Parece-me que cada  congregação deveria incluir no programa tanto cultos mais formais na igreja  quanto reuniões informais de comunhão nos lares. Os mais antigos membros  tradicionais da igreja, que amam a liturgia, precisam experimentar a liberdade  do culto no lar, ao passo que os mais novos, que amam o barulho e a  espontaneidade, precisam experimentar a seriedade e reverência dos cultos  formais da igreja. A combinação é muito saudável!
A Quarta polarização desnecessária diz respeito às nossas responsabilidades evangelísticas e sociais. Tem sido sempre uma característica dos evangélicos ocupar-se com evangelismo. Tanto assim que  não é raro encontrarmo-nos com uma confusão de termos, como se “evangélico” e “evangelístico” significassem a mesma coisa. Na nossa ênfase  evangélica em evangelismo, temos compreensivelmente reagido contra o tão  falado “evangelho social” que substitui salvação individual por melhoramento  social e, apesar do notável testemunho da ação social dos evangélicos do  século dezenove, nós mesmos temos suspeitado de qualquer envolvimento  deste tipo. Ou, se temos sido ativos socialmente, temos tido a tendência de  concentrar-nos nas obras de filantropia (cuidando dos acidentes de uma  sociedade doente) e tomado cuidado para evitar política (as causas de uma  sociedade doente).
Algumas vezes, a polarização na igreja tem parecido ser completa, com  alguns exclusivamente preocupados com evangelismo e outros com ações  político-sociais. Como um exemplo para o primeiro, tomarei alguns grupos do  tão falado “Povo de Jesus”. Ora, estou muito longe de querer ser crítico de  todo o movimento. Contudo, uma das minhas inúmeras hesitações diz respeito  às comunidades de Jesus que parecem ter rejeitado a sociedade e se retirado  para a comunhão individual, fazendo cultos evangelísticos ocasionais, no  mundo fora da comunidade. Vernon Wishart, um ministro da Igreja Unida do  Canadá, escreveu sobre o Povo de Jesus em Novembro de 1972, num artigo  da revista “Observer”, órgão oficial da sua igreja. Ele descreveu o movimento como “uma reação ao profundo mal-estar cultural e social” e uma tentativa  para “vencer uma depressão do espírito humano” causada pela tecnocracia  materialista. Mostrou-se admirador do genuíno zelo cristão por eles  manifestado: “Como crentes primitivos, eles simplesmente vivem de uma  maneira amorosa, estudando as Escrituras, partindo o pão juntos e  compartilhando os recursos’. E ele reconheceu que o intenso relacionamento  pessoal deles com Jesus, e de um para com o outro era um antídoto à  despersonalização da sociedade moderna. Ao mesmo tempo, ele viu este  perigo: “Voltar-se para Jesus pode ser uma tentativa desesperada de desviar- se do mundo no qual ele encarnou. Como as drogas, a religião de Jesus pode  ser uma fuga de nossa tecnocultura”. Nesta última frase, Vernon Wishart  colocou o dedo no problema principal: Se Jesus amou o mundo de tal maneira  que entrou nele através da encarnação, como podem seus seguidores  proclamar que amam o mundo procurando escapar dele? Sir Frederick  Catherwood escreveu: “Procurar melhorar a sociedade não é mundanismo,  mas amor.
Lavar as mãos da sociedade não é amor, mas mundanismo” (Is  Revolution Charnge?, editado por Brian Griffths, IVP, 1972, p. 35).
A polarização oposta parece ter sido evidente na Assembléia da Comissão do Conselho Mundial de Igrejas sobre Missão e Evangelismo Mundial, realizada em Bangkok, em janeiro de 1973. Por ter sido intitulada  “Salvação hoje”, muitos tiveram a esperança de que uma definição nova de  salvação surgiria, quer seria tanto fiel às Escrituras como relevante para o  mundo moderno. Porém, ficamos decepcionados: Os documentos preparatórios  e a própria conferência tentaram redefinir salvação em termos quase  inteiramente sociais, econômicos e políticos. É verdade que houve  referências à salvação pessoal do pecado e que o propósito da convocação  para uma moratória de dez anos no envio de dinheiro e pessoal missionário  para as igrejas do Terceiro Mundo foi ajudá-las a tornarem-se auto- suficientes.
Contudo, a impressão geral de Bangkoki é que o labor  missionário e evangelístico estão sem apoio nos círculos ecumênicos , ao  passo que a missão real da igreja, segundo o Conselho Mundial de Igrejas , é identificar-se com os atuais movimentos de libertação: “Nos vemos as lutas  por justiça econômica, liberdade política e renovação cultural como os  elementos da libertação total do mundo, através da missão de Deus  “(Bangkok Assembly 1973, p. 89).
Destes dois extremos, a falha característica dos evangélicos encontra-se  mais na primeira que na Segunda polarização. Nós certamente não estamos  confundindo justiça com salvação, mas temos freqüentemente falado e nos  comportado como se pensássemos que nossa única responsabilidade cristã  para com uma sociedade não convertida fosse evangelismo, a proclamação  das boas-novas de salvação. Nos últimos anos, contudo, tem havido bons  sinais de mudança. Temos ficado desiludidos com a mentalidade da “tentativa  abandonada” com a tendência de escolher não participar da responsabilidade  social e com a tradicional obsessão fundamentalista da “micro-ética” (a  proibição de coisas mínimas) e a negligência correspondente da “macro- ética” (os grandes problemas de raça, violência, pobreza, poluição, justiça e liberdade). Tem havido também, um recente reconhecimento dos princípios bíblicos para a ação social cristã, tanto teológica quanto ética.
Teologicamente, tem havido um redescobrimento da doutrina da criação. Tendemos a ter uma boa doutrina da redenção e uma péssima doutrina da criação. Naturalmente, temos tido uma reverência de lábios à verdade de que Deus é o Criador de todas as coisas, mas, aparentemente, temos estado cegos para as implicações disto. Nosso Deus tem sido por demais “religioso”, como se o seu principal interesse fosse cultos de adoração  e oração freqüentados por membros de igrejas. Não me entenda mal: Deus  tem prazer nas orações e louvores do seu povo. Mas, agora, começamos a vê- lo, também (como a Bíblia sempre o retratou), como o  Criador, que está  interessado tanto pelo mundo secular quanto pela Igreja, que ama a todos os  homens e não somente os crentes, e que tem interesse na vida como um todo,  e não meramente na religião.
Eticamente, há um redescobrimento da responsabilidade do amor pelo  próximo, que é o seguinte mandamento: “Amar nosso próximo como amamos  a nós mesmos”. O que isto significa na prática será determinado pela  definição das Escrituras sobre “o nosso próximo”. O nosso próximo é uma  pessoa, um ser humano, criado por Deus. E Deus não o criou como uma alma  sem corpo (para que pudéssemos amar somente sua alma), nem como um  corpo sem alma (para que pudéssemos preocupar-nos exclusivamente com  seu bem-estar físico), em tampouco um corpo-alma em isolamento (para que  pudéssemos preocupar-nos com ele somente como um indivíduo, sem nos  preocupar com a sociedade em que ele vive). Não!
Deus fez o homem um ser  espiritual, físico e social. Como ser humano, o nosso próximo pode ser  definido como “um corpo-alma em sociedade”.
Portanto, a obrigação de amar  o nosso próximo nunca pode ser reduzida para somente uma parte dele. Se  amamos nosso próximo como Deus criou (o que é mandamento para nós),  então, inevitavelmente, estaremos preocupados com o seu bem-estar total, e  bem-estar do seu corpo, da sua alma e da sua sociedade. Martin Luther King  expressou isto muito bem:
“Religião trata tanto com o Céu como com a  terra... Qualquer religião que professar estar preocupada com as almas dos  homens e não está preocupada com a pobreza que os predestina à morte, com  as condições econômicas que os estrangula e com as condições sociais que os  tornam paralíticos, é uma religião seca como poeira” (My life wih Martin  Luther King Jr. Por Coretta King, Hodder 1970, p. 127). Eu acho que  deveríamos adicionar que “uma religião seca como poeira”, é na realidade,  uma religião falsa.
É verdade que o Senhor Jesus ressurrecto deixou a Grande Comissão  para a sua Igreja: pregar, evangelizar e fazer discípulos. E esta comissão é  ainda a obrigação da Igreja. Mas a comissão não invalida o mandamento,  como se “amarás o teu próximo” tivesse sido substituído por “pregarás o  Evangelho”. Nem tampouco reinterpretar amor ao próximo em termos  exclusivamente evangelísticos. Ao contrário, enriquece o mandamento amar o  nosso próximo, ao adicionar uma dimensão nova e cristã, nomeadamente a  responsabilidade de fazer Cristo conhecido para esse nosso próximo.
Ao rogar que deveríamos evitar a escolha mais do que ingênua entre  evangelismo e ação social, eu não estou supondo que cada crente deva estar  igualmente envolvido em ambos. Isto seria impossível. Além disso, devemos  reconhecer que Deus chama pessoas diferentes e as dota com dons  apropriados à sua chamada. Certamente cada crente tem a responsabilidade de  amar e servir o próximo à medida que as oportunidades se manifestam, mas  isto não o inibirá de concentrar-se - conforme sua vocação e dons - em  alguma incumbência particular, seja alimentando o pobre, assistindo ao  enfermo, dando testemunho pessoal, evangelizando no lar, participando na  política local ou nacional, no serviço comunitário, nas relações raciais, no  ensino ou em outras boas obras.
Embora cada crente, individualmente, deva descobrir como Deus o tem  chamado e dotado, aventuro-me a sugerir que a igreja evangélica local, como  um todo, deve preocupar-se com a comunidade secular local como um todo.  Uma vez que isto seja aceito, em princípio. Crentes individuais, que  compartilham as mesmas preocupações, seriam incentivados a juntar-se em  “grupos de ação e estudo”. Não para ação sem estudo prévio, nem para estudo  sem ação conseqüente, mas para ambos. Tais grupos, com responsabilidade,  considerariam em oração um problema particular, com a intenção de agir  atacando o problema. Um grupo poderia estar preocupado com o evangelismo  num novo conjunto habitacional, no qual (até onde é conhecido) não mora  nenhum crente, ou com uma seção particular da comunidade local - uma  república para estudantes, uma prisão, estudantes recém-formados etc. Um  outro grupo poderia dedicar-se aos problemas dos imigrantes e das relações raciais, de uma favela de área e de habitações deficientes, de um asilo para velhos desamparados ou de um hospital; de pessoas idosas que têm pensão, mas se sentem sós, de uma clínica local de aborto, ou de uma casa de prostituição. A possível lista é quase interminável. Mas se os membros de  uma congregação local fossem compartilhar as responsabilidades evangelísticas e sociais da igreja em conformidade com seus interesses, chamadas e dons, muito trabalho construtivo poderia certamente ser feito na  comunidade.
Eu não conheço qualquer outra declaração de nossa dupla responsabilidade cristã, social e evangelística, melhor do que aquela feita pelo  Dr. W.A . Visser: “Eu creio”, disse ele, “que com respeito à grande tensão  entre a interpretação vertical do Evangelho como essencialmente preocupada  com o ato da salvação de Deus na vida dos indivíduos e a interpretação horizontal disto, como principalmente preocupada com as relações humanas  no mundo, devo fugir daquele movimento oscilatório mais do que primitivo  de ir de um extremo para o ouro. Um cristianismo que tem perdido sua  dimensão vertical tem perdido seu sal e é, não somente insípido em si mesmo,  mas sem qualquer valor para o mundo.
Mas um cristianismo que usaria a preocupação vertical como um meio  para escapar de sua responsabilidade pela vida comum do homem é uma  negação do amor de Deus pelo mundo, manifestado em Cristo. Deve tornar-se  claro que membros de igreja que de fato negam suas responsabilidades com o  necessitado em qualquer parte do mundo são tão culpados de heresias quanto  todos os que negam este ou aquele artigo da Fé”. O meu argumento neste livreto tem sido a favor de um cristianismo bíblico  equilibrado, no qual se evitam as polaridades comuns do mundo cristão - e  especialmente do mundo evangélico.
Precisamos enfatizar, tanto o intelecto como o emocional, lembrando  que nada coloca o coração em fogo como a verdade; tanto o conservador  como o radical, resolvido a conservar as Escrituras, mas a avaliar a cultura em  conformidade com a Bíblia; tanto o estruturado como o não-estruturado, pois  um pode completar o outro; e tanto o evangelístico como o social, pois  nenhum deles pode ser um substituto, uma capa ou uma desculpa para o  outro, desde que cada um sustente a si próprio como uma expressão, para o  qual Deus, o Senhor, ainda chama o seu povo. Em pelo menos nestas quatro áreas (que não são as únicas), temos uma boa  autoridade bíblica para substituir um excessivo e ingênuo “um-ou” por um  maduro “ambos-e”. Coloquemos, pois, nossos pés com confiança nos dois  pólos, simultaneamente. Não nos permitamos polarizar!
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